100 anos de Maria Clara Machado

03/04/2021 09:00
Por Maria Eugênia de Menezes, especial para o Estadão / Estadão

Maria Clara Machado – nome maior do teatro infantil no Brasil – descobriu seu talento quando recebeu uma negativa. Foi trabalhando como voluntária no Patronato da Gávea, instituição que atendia os operários que trabalhavam nas imediações do Jardim Botânico, que ela ouviu ter pouco pendor para a enfermagem. Era saliente demais, disseram. Cabia-lhe melhor a função de “teatreira” e lhe encomendaram “qualquer coisa para distrair as crianças”. Foi assim que nasceram O Tablado, escola que formou gerações de grandes intérpretes, e uma autora que viria a transformar o panorama do teatro para crianças.

Filha do escritor Aníbal Machado, Maria Clara (1921-2001) completaria 100 anos neste 3 de abril. Era segunda filha de cinco irmãs – todas Marias. Nasceu em Belo Horizonte, mas mudou-se muito cedo para o Rio de Janeiro, onde cresceu rodeada por artistas e intelectuais. Gente como Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Guignard e Rubem Braga, que batiam ponto em almoços e reuniões na residência da família, na Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema. Outro aspecto fundamental em sua formação foi a ligação com o movimento bandeirante, o que a levaria a percorrer o Brasil ainda menina e a aproximaria definitivamente do teatro.

Em 1949, uma bolsa do governo francês a leva a Paris, onde estudou com Charles Dullin, o mestre da improvisação, e Jean-Louis Barrault, mímico e grande intérprete da Comédie-Française. De volta ao Brasil, em 1951 -, portanto, há exatos 70 anos – criou ao lado de amigos o grupo amador O Tablado, lugar em que se experimentou primeiro como atriz e diretora.

O conhecimento de como funcionava, por dentro, a dinâmica das encenações e dos intérpretes fez toda a diferença na hora em que a artista se pôs a escrever. Seus textos possuem a grande qualidade que uma obra dramática pode ter: partem não propriamente de palavras, mas de fatos cênicos. Assim, cada mínimo detalhe do que irá subir à cena já reluz no papel. Mesmo quem apenas lê suas peças sai com um vislumbre do grande carrossel que é o seu teatro.

Outra questão fundamental da sua dramaturgia é seu entendimento do público infantil. Escreveu cinco peças adultas, mas ela mesma dizia sentir “falta de qualquer coisa” nessa relação. Com as crianças, tudo se resolvia de outra forma, mais fluida e intuitiva. “Maria Clara não diz, não descreve teoricamente como são as crianças; faz uma coisa mais difícil: mostra-as em ação diante de nossos olhos, como uma realidade que é poética por ser tão depurada e verdadeira”, escreveu o crítico Décio de Almeida Prado quando assistiu a Pluft, o Fantasminha.

Dentre as suas cerca de 30 peças infantis, Pluft, de 1955, é certamente o maior sucesso. “Parece uma peça fácil, mas não é”, considerava a dramaturga. “Tudo é muito rápido, tem commedia dell’arte misturada com momentos poéticos. Foi difícil de fazer. Tivemos ensaios horríveis. Mas aí, no dia da estreia, assistindo à peça, eu até esqueci que era minha e comecei a chorar pensando: que bonita que é.” Para a crítica Bárbara Heliodora, Pluft, o Fantasminha e o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, eram os dois únicos clássicos da dramaturgia nacional, montados e conhecidos em todos os cantos do Brasil. Além de merecer montagens no País inteiro, a história da amizade da menina Maribel com um pequeno fantasma ganhou o mundo, com versões na Europa, nos Estados Unidos e em toda a América do Sul.

A escritora divertia-se com a fama do personagem, que virou livro, revistinha e até nome de bandido. “Abri o jornal um dia e lá estava a notícia da prisão do procurado ladrão Pluft, o Fantasminha”, contou ela. Sua obra, porém, deixou outros títulos de equivalente inspiração, como o Cavalinho Azul (1960). Com estrutura mais simples – e por isso mais facilmente encenadas – também conquistaram as plateias A Bruxinha Que Era Boa (1958) e O Rapto das Cebolinhas (1954), entre tantas outras. Seu teatro foi tecido com dois elementos fundamentais: humor e poesia. De um lirismo que invariavelmente escapava da literatice por sua graça, por seu traço cômico.

É impossível olhar para sua literatura dramática desvinculada de seu percurso no Tablado. Maria Clara nunca desejou profissionalizar o grupo. Nem mesmo no fim dos anos 1970, com a regulamentação da profissão do ator no Brasil, quis que a companhia deixasse o teatro amador. Ao contrário, acentuou cada vez mais a função formadora do espaço, abraçando as novas gerações: Louise Cardoso, Andrea Beltrão, Fernanda Torres e Enrique Diaz são alguns dos muitos nomes que passaram pelo espaço. Dali, não se saía apenas ator ou atriz, mas com uma experiência profunda da improvisação e um entendimento do aspecto eminentemente artesanal do teatro. “Nós somos como sementes, aquela coisa que nasce e depois dá frutos”, dizia Maria Clara. “O Tablado tem dado muitos frutos. E são esses frutos que salvam o Brasil do caos.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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