1921 – 2021: Centenário do Monsenhor Gilberto Ferreira de Souza

15/05/2021 08:00
Por Cleber Francisco Alves

Há 100 anos, precisamente no dia 15 de maio de 1921, nascia na Vila de Cascatinha o petropolitano Gilberto Ferreira de Souza. Para os que não o conheceram em vida, posso atestar que se trata de uma das personalidades mais expressivas do cenário religioso no Século XX, em nossa Cidade. Como sacerdote católico e professor universitário o Monsenhor Gilberto Ferreira de Souza marcou, indelevelmente, a vida de centenas – quiçá milhares – de pessoas, particularmente de muitos jovens estudantes secundaristas e universitários, ao longo de seus quase 86 anos de vida… Sua passagem entre nós mereceu o galardão da “imortalidade acadêmica”, visto que  foi membro da Academia Petropolitana de Letras, para a qual foi eleito em março de 1995, para ocupar a cadeira de número 30, da qual tomou posse em 16/12/1995; permaneceu como titular até seu falecimento, em 14/04/2006.

Gilberto era filho de D. Jorgina e do Sr. Alício Ferreira de Souza. Sua chegada foi muito esperada pela família, especialmente pela avó paterna, D. Felicidade. Isto porque os outros irmãos que lhe precederam acabavam morrendo ainda na tenra infância, como depois se veio a constatar, por contraírem tuberculose da própria mãe, D. Jorgina, ainda durante a amamentação.  Para que esse triste fim não se repetisse com o recém-nascido Gilberto, sua avó providenciou u’a mãe de leite para o bebê que ia chegar. Esse fato era sempre lembrado por ele, que falava com grande carinho e gratidão de sua “mãe preta”, que o nutrira nos primeiros meses de vida. Exatamente por temerem quanto à saúde do bebê, antes mesmo de completar um mês de vida, em 05/06/1921, a família o levou à pia batismal, na Igreja Matriz de Petrópolis, cujo antigo templo situava-se em frente ao Palácio Imperial, na altura da atual Rua Oscar Weinschenk.  Ainda criança, bem pequeno, Gilberto ficou órfão de mãe, tendo sido criado por sua avó paterna, D. Felicidade. Desde muito cedo toda a família notava sua forte inclinação para a vida religiosa/sacerdotal. Iniciou seus estudos numa escolinha próxima de casa e, depois, estudou no Colégio São Vicente, que então funcionava no prédio do antigo Palácio de verão de Dom Pedro II, atual Museu Imperial. Em 01/03/1934, pouco antes de completar 13 anos, ingressou no Seminário Arquidiocesano do Rio de Janeiro; transferiu-se, depois, para Belo Horizonte, onde foi cursar Filosofia e Teologia, no Seminário Provincial do Coração Eucarístico. Aos 24 anos, em 08/12/1945, foi ordenado presbítero pelo Bispo de Niterói, Dom José Pereira Alves. Naquela época, ainda não tinha sido criada a Diocese de Petrópolis, e o território de nosso Município fazia parte da Diocese de Niterói, que era também capital do Estado do Rio. O neossacerdote Pe. Gilberto foi designado para atuar como professor no Seminário Diocesano de Niterói e também exercia a função de secretário do Bispo.

Com a criação da Diocese de Petrópolis, já no ano de 1949, a convite do nosso primeiro bispo, Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra, veio colaborar na fundação do Seminário Diocesano de Corrêas, do qual foi o primeiro Reitor; exerceu esse cargo até abril de 1953, quando foi admitido no serviço de assistência religiosa da Marinha do Brasil, onde atuou – até 1955 – como capelão, no Sanatório Naval de Nova Friburgo. Retornando a Petrópolis, exerceu o cargo de Chanceler da Cúria Diocesana, tendo recebido o título de “Cônego” em 1958. Em 09/08/1959, foi nomeado administrador paroquial da Catedral de Petrópolis. Desde 1958 tornara-se também professor nas Faculdades Católicas Petropolitanas, que futuramente viriam a se tornar a UCP. Em 11/06/1961, após recebimento da autorização pontifícia formal, concedida pelo Papa João XXIII, ele tomou posse oficialmente como “Pároco inamovível” da Catedral: dentre as eminentes figuras que subscreveram a ata da posse, cabe mencionar três personagens ilustres da história de Petrópolis no século XX:  o médico Dr. Jorge Ferreira Machado, o construtor Affonso Monteiro da Silva e advogado Dr. Arthur de Sá Earp Neto. Devido à escassez de padres, além do seu vigário paroquial – o então jovem Pe. João de Deus Rodrigues – contava com a ajuda dos frades franciscanos para o serviço pastoral, cabendo registrar que dentre os frades que atuaram auxiliando-o na Paróquia da Catedral, especificamente encarregado da região hoje correspondente à Paróquia do Itamarati, estava o frei Evaristo Arns, na época professor na Faculdade de Educação da UCP, e que posteriormente viria a se tornar Cardeal, como Arcebispo de São Paulo.

Durante seu paroquiato, o então Cônego Gilberto colaborou ativamente com Dom Cintra na Campanha Fé, Cultura e Assistência, que tinha dentre seus objetivos a finalização das obras de construção da torre da Catedral e colocação dos respectivos sinos. Essa meta foi alcançada, e em 22/09/1963 ocorreu a memorável cerimônia de inauguração dos novos sinos. Coube ao pároco, já elevado à dignidade eclesiástica de Monsenhor, oficiar o rito litúrgico da benção. Permaneceu como pároco da Catedral até 02/02/1967. Em 1962, acompanhando o Bispo Dom Cintra, viajou a Roma para participar das Sessões do Concilio Ecumênico Vaticano II, na qualidade de “pároco-auditor”. Posteriormente, nas sessões subseqüentes do Concílio, foi convidado pelo Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Câmara, para acompanha-lo, como seu secretário: tal convite denota inequívoca deferência prestada pelo Cardeal Câmara ao nosso biografado, sendo notável o fato de que inclusive ele sequer pertencia ao clero de arquidiocese carioca.

Após deixar a Paróquia da Catedral, em 01 de setembro de 1968, Mons. Gilberto foi designado para a função de Capelão do Carmelo de São José, onde foi residir, a partir de 24 de setembro daquele ano. Na Missa em que iniciou seu ministério, fez menção de que – 30 anos antes – havia atuado no Carmelo, como “coroinha” do Pe. João Gualberto.  Permaneceu nessa função até 12 de março de 1973, quando foi a residir na UCP (prédio do Sion), com o objetivo de se “dedicar ao acompanhamento dos movimentos de jovens que se iniciavam em Petrópolis”, conforme ficou registrado no livro do tombo do Carmelo.

Na UCP, Mons. Gilberto chegou ao posto de Professor Titular de Ciências Morais e Religiosas, tendo lecionado em diversos dos cursos de graduação. Foi um dos mais próximos colaboradores do Reitor Dom José Veloso: exerceu a função de Diretor do Instituto de Teologia, Filosofia e Ciências Humanas, por sucessivos mandatos, até 1984, quando se desligou para assumir a função de Vigário-Geral da Diocese. Conforme nos relata o saudoso professor Jerônymo Ferreira Alves Neto: “Mons. Gilberto sempre manteve um contato diário e proveitoso com a juventude estudantil e universitária, animando-a com a força vigorosa de seu espírito. Em seu gabinete de trabalho, os jovens o procuravam, buscando sua orientação sensata e oportuna na solução dos mais intrincados problemas”.

Mons. Gilberto teve também, ao longo do período em que residiu na Universidade, uma destacada atuação junto à Pastoral Familiar, especialmente ajudando na implantação do Movimento do “Encontro de Casais com Cristo”. Após a consolidação desse Movimento na Diocese, ele percebeu que o modelo adotado, centralizado, ou seja, sem vinculação direta às paróquias, não estava alcançando os objetivos pastorais desejados… Tomou então a decisão – que suscitou muita resistência e crítica – de promover a descentralização do ECC, que passou a ser realizado em âmbito paroquial. Nessa pioneira iniciativa recebeu imediato apoio do então Pároco de Cascatinha, seu ex-aluno e discípulo Pe. Dilson Passos Júnior; aos poucos, essa acertada iniciativa foi seguida pelas demais Paróquias.

Ao longo de todo o período do episcopado de Dom Veloso e, depois, de Dom José Carlos de Lima Vaz, assim como no início do episcopado de Dom Filippo Santoro, Mons. Gilberto exerceu a função de Vigário-Geral da Diocese de Petrópolis. Foram mais de 20 anos exercendo esse encargo. Durante todo esse tempo, embora não tivesse sido elevado à dignidade episcopal, pode-se dizer que – em razão dos poderes inerentes a seu cargo – atuava de fato como uma espécie de “bispo auxiliar”, com particular dedicação pastoral e grande proximidade com as paróquias situadas na região da Baixada Fluminense, nos municípios de Magé e Guapirimirim. Também percorria com freqüência as paróquias da região de Teresópolis. Era também, com frequência, chamado a pregar retiros e proferir palestras, especialmente na região do Vale do Paraíba, em São Paulo, onde tinha muitos amigos. Disso posso dar testemunho porque o acompanhei muitas vezes nessas suas viagens dentro e fora da Diocese.  Para concluir, cabe o registro de um belo testemunho acerca da sublime compreensão que ele tinha de seu ministério sacerdotal nos é contado por um de seus ex-alunos, o atual Bispo Diocesano de Uberlândia, Dom Paulo Francisco Machado: numa recordação de confidência que lhe fora feita quanto este tinha apenas 15 anos de idade, Mons. Gilberto lhe disse: “Paulinho, para ser plenamente padre preciso somente de um cálice e de uma patena. Assim estou salvando o mundo!”

* Cleber Francisco Alves é professor Titular da UCP e da UFF e membro das Academias Petropolitanas de Letras e de Educação, e da Academia Fluminense de Letras

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