45ª Mostra Internacional de Cinema de SP volta online e presencial em 2021

10/10/2021 08:00
Por Ubiratan Brasil e Luiz Carlos Merten, especial para AE / Estadão

Já houve Mostras maiores, com certeza. Renata Almeida cita a de 2019, com cerca de 500 filmes. A do ano passado, em plena pandemia, teve apenas 192 títulos, quase todos apresentados online. Druk – O Último Trago, que venceria o Oscar de melhor filme internacional, foi apresentado no Ibirapuera, ao ar livre, no encerramento. “O tempo não ajudou, choveu bastante, mas nosso público permaneceu, mesmo molhado”, ela lembra. O fato de a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ser predominantemente virtual teve seu lado positivo. Permitiu que espectadores do Brasil inteiro tivessem acesso ao evento que antes era local, paulistano. Este ano, na 45.ª edição, serão 265 filmes, de 50 países, num formato híbrido. Sessões presenciais e online.

“Nosso compromisso é sempre com o cinéfilo. Há mais de 40 anos as pessoas esperam por este momento em que a cidade vira capital do cinema e apresenta o que de mais importante foi produzido no ano, em todo o mundo”, Renata explica. Este ano, a Mostra perdeu patrocinadores importantes e até os que permaneceram restringiram as verbas. “Será uma Mostra sem convidados internacionais, um pouco por falta de recursos, mas também porque a situação na pandemia ainda não está confortável”, ela avalia. Todo ano, desde 1977, a Mostra sempre teve uma abertura solene com um filme importante. Em 2021, terá novo formato. “Vamos apresentar filmes diferentes em cada uma de dez salas que estarão sediando a Mostra. Serão sessões para convidados, para o público. A ideia é que a Mostra abrace a cidade. São Paulo – o Brasil, o mundo todo – viveu momentos terríveis no último ano e meio. Queremos celebrar o fato de estarmos vivos e de o cinema estar resistindo.”

A abertura acontece no dia 20. Os ingressos para as sessões presenciais começarão a ser vendidos no dia 18 pelo app da Mostra. Algumas coisas estão mudando, por força das circunstâncias. Nos últimos anos, a Mostra aceitava que filmes apresentados em outros festivais nacionais participassem da sessão brasileira. “Havia prêmios em dinheiro que poderiam fazer diferença no lançamento. Não era verba da Mostra, mas de parceiros e apoiadores. Mas, neste ano, o Festival de Gramado foi transmitido pelo Canal Brasil. Todos já tiveram a oportunidade de ver os filmes. Não faz sentido ficar mostrando a mesma coisa.” Para o público sedento de novidades, a Mostra de 2021 vai trazer preciosidades, como os vencedores de Cannes, Berlim, Veneza.

“Nosso compromisso sempre foi com a diversidade e a Mostra deste ano não foge à regra. Ziraldo fez um belo cartaz que inspirou nossa vinheta. Não conseguiremos fazer todos os debates que gostaríamos, nesse momento de perplexidade. Num eventual novo normal, o público voltará às salas ou elas serão privilégio do público dos blockbusters? O público de arte seguirá no streaming? A Mostra começou lutando contra a censura e hoje enfrenta nova realidade. Estamos querendo trazer o público de volta às salas, e não apenas na nossa abertura.” A Mostra, que vai até 3 de novembro, voltará a ter sessões presenciais em 14 cinemas de São Paulo e grande parte do conteúdo estará também disponível online, no Mostra Play.

Uma seleção de títulos estará, gratuitamente, nas plataformas Sesc Digital e Itaú Cultural Play. Todas as plataformas e atividades poderão ser acessadas pelo site www.mostra.org. As sessões presenciais obedecerão a rígidos protocolos de segurança contra a covid-19. A ocupação das salas ficará restrita a 50%, o uso de máscaras e o distanciamento social serão obrigatórios e o comprovante de vacinação também será exigido dos espectadores. Ainda nas sessões presenciais, haverá um intervalo de pelo menos 30 minutos entre um programa e outro, para que as salas sejam higienizadas. Os cinemas vão oferecer álcool em gel para o público. E haverá pessoal especializado para orientar a saída – para evitar aglomerações, os espectadores deixarão as salas da última fila para a primeira.

Figura mítica do cinema brasileiro, ligada a nomes destacados do Cinema Novo e do movimento underground, a atriz e diretora, autora Helena Ignez será homenageada com o Prêmio Leon Cakoff. Também haverá o lançamento do livro de Pedro Guimarães e Sandro de Oliveira, Helena Ignez – Uma Atriz Experimental. A Mostra deste ano fará um resgate visceral. “Não sei nem explicar o motivo, mas, nesses mais de 40 anos, nunca apresentamos um filme sequer de Paulo Rocha”, diz Renata Almeida. “Esse grande autor português foi assistente de Jean Renoir e adido cultural em Tóquio. É autor de um grande afresco sobre os contatos entre as civilizações, A Ilha dos Amores. Está mais do que na hora de nosso público conhecer Paulo Rocha. É o que vamos fazer, dedicando-lhe a nossa retrospectiva, com sete títulos.”

Uma grande Mostra não se faz apenas de filmes. “Pelo quinto ano consecutivo, e em parceria com o Itaú Cultural, estaremos realizando, de 27 a 30, o Fórum Mostra, para debater cinema, economia criativa e assuntos da cultura em geral, nesse momento que está sendo tão difícil para os artistas no País, e não apenas por causa da pandemia. A cultura, nesse governo federal, tem sido tratada como inimiga.” Uma bela iniciativa – em parceria com a Acnur, Agência da ONU para Refugiados, a Mostra fará sessões nos dias 22 e 23 no Museu do Imigrante, apresentando filmes como Hit the Road, Pegando a Estrada, do iraniano Jafar Panahi.

Destaques

Muito importante: nem todos os filmes que terão sessões presenciais também poderão ser apresentados online. A decisão de exibir ou não nas plataformas digitais é responsabilidade exclusiva dos produtores e distribuidores de cada filme. Criador da Mostra, Leon Cakoff gostava de dizer que não havia filmes ruins em seu evento. Seu sonho, compartilhado por Renata Almeida, era que o espectador comprasse o ingresso sem nem saber o que ia ver, na certeza – segura – de que seria algo bom. Mas Renata, que o sucedeu, sabe que o público sempre foi atraído pelos títulos avalizados pelos grandes festivais internacionais.

Neste ano, virão de Cannes o vencedor da Palma de Ouro (Titane, de Julia Ducourneau) e também Annette, de Leos Carax, premiado pela melhor direção, e Memória, de Apichatpong Weerasethakul, que ganhou o prêmio da crítica. De Berlim, virá o vencedor do prêmio de roteiro – Encontros/Introduction, de Hong Sang-soo. E, de Veneza, o vencedor da Semana da Crítica, Zalava, de Arsalan Amiri. “A curadoria da Mostra foi sempre baseada no binômio qualidade/diversidade, mas tenho certeza de que será possível identificar nos filmes selecionados a preocupação humanística com o estado do mundo. Não só a pandemia, mas também o avanço desse pensamento de direita que vem se alastrando pelo mundo.”

Desigualdade, desumanidade – a Mostra tem sido antídoto. Pluralidade? Total! Mesmo sem ter visto Titane, o filme da francesa Julia Ducourneau parece cria do David Cronenberg de Crash – Estranhos Prazeres. A mulher que tem uma placa de titânio na cabeça e é atraída para relações sexuais com… carros. O filme tem muito, senão tudo, a ver com Carro Rei, de Renata Pinheiro, que venceu o Kikito de melhor filme em Gramado. E não se pode dizer que Julia influenciou Renata – os dois filmes foram gestados simultaneamente, em diferentes partes do mundo. São questões – erotismo, tecnologia – que estão no ar. Mulheres diretoras? Pelo menos 80 delas assinam as obras selecionadas. Questões de raça e gênero garantem a atualidade da seleção.

Justamente as mulheres – Laís Bodanzky, uma das melhores e mais respeitadas diretoras do País, lançará na Mostra seu novo longa, A Viagem de Pedro, com Cauã Reymond como dom Pedro I. O filme antecipa-se ao bicentenário da Independência, no ano que vem.

Laís tem pegada feminista. Já contou belíssimas histórias de homens – como em Bicho de Sete Cabeças. Dessa vez, o homem é mulherengo. Há muita expectativa por seu filme. Também não falta expectativa pelo musical de Leos Carax, Annette. Grande nome do cinema político, o italiano Marco Bellocchio assina Marx Pode Esperar. E não se pode esquecer de Bruno Dumont. Nenhum outro autor muda tanto – na forma, no conteúdo – para permanecer o mesmo. France traz Léa Seydoux como jornalista atuante cuja vida profissional e afetiva está uma confusão. Para piorar, ela sofre um acidente grave. Além da Mostra, Léa está nos cinemas em 007 – Sem Tempo para Morrer, maravilhosa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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