72% das cidades que poderão receber novos cursos de Medicina não têm infraestrutura adequada

10/jul 12:05
Por Estadão

Sete em cada dez municípios que poderão receber novas escolas médicas não têm infraestrutura adequada para sediar uma faculdade de Medicina, com problemas como ausência de hospital de ensino ou número insuficiente de leitos no SUS e de equipes de saúde da família. Parte dessas cidades, mesmo sem a estrutura esperada, já possuem cursos de graduação médica.

Os dados são de levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e obtido com exclusividade pelo Estadão com base nos 294 pedidos de autorização de novos cursos e vagas de medicina que tramitam administrativamente ou por força judicial no Ministério da Educação (MEC).

De acordo com a análise, esses processos buscam autorização para a abertura de vagas em 182 municípios brasileiros, dos quais 132 (72,5% deles) não cumprem, integralmente ou parcialmente, parâmetros considerados essenciais para o funcionamento de um curso de Medicina. O MEC afirma que análise de pedidos de abertura de vagas leva em conta a estrutura da cidade.

Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a abertura de novos cursos de Medicina deve ser feita seguindo os critérios da lei do Mais Médicos, que teve sua constitucionalidade questionada na Justiça e previa algumas desses parâmetros. No entanto, os ministros do STF definiram que as instituições que já haviam passado da fase inicial da documentação deveriam continuar com o processo em tramitação.

De acordo com as normas do MEC para abertura dessas graduações, um município deve ter, entre outros recursos, cinco leitos do SUS para cada vaga aberta e um hospital de ensino ou unidade hospitalar com ao menos 80 leitos que tenha potencial para se tornar um estabelecimento de saúde de ensino.

O levantamento do CFM mostra que, das 182 cidades, somente 50 (27,5%) possuem hospital de ensino. Já com relação ao número mínimo de leitos do SUS, apenas 35 municípios (19,2%) cumprem tal requisito. Do total de cidades avaliadas, 130 já possuem cursos de Medicina.

“Os graduandos de Medicina devem passar por etapas, desde os estudos da área básica, com fisiologia, fisiopatologia; passar pela prática na atenção primária, fazer estágio em áreas de emergência. São condições mínimas que a gente espera. O ensino médico é uma área de relevância pública, muito importante para a segurança da sociedade. Um médico mal formado pode ser perigoso”, diz Donizetti Giamberardino, coordenador do Sistema de Acreditação de Escolas Médicas do Conselho Federal de Medicina (SAEME-CFM).

O SAEME foi criado pelo CFM em 2015, diante do aumento expressivo de vagas de graduação na área, para certificar os cursos que cumprem requisitos de qualidade. O Brasil tem hoje 390 cursos de formação de médicos, com a oferta de mais de 43 mil vagas. Somente 59 deles têm a acreditação do CFM, de acordo com Giamberardino.

“É uma acreditação voluntária e gratuita, reconhecida internacionalmente, que vale por seis anos, desde que não haja nenhuma alteração jurídica. Ele representa um controle social sobre a qualidade médica”, diz o representante do CFM.

Um outro levantamento do conselho divulgado em maio mostrou que 78% dos 250 municípios que sediam as 390 escolas médicas em funcionamento no País apresentam números insuficientes de leitos de internação, de equipes de saúde da família e de hospitais de ensino. Juntas, essas cidades abrigam 288 estabelecimentos de ensino superior de medicina, o que corresponde a 31 mil vagas.

O CFM defende que todos os novos cursos sigam os parâmetros mínimos definidos pelo próprio MEC e que as escolas médicas em funcionamento sejam fiscalizadas e avaliadas pela pasta.

MEC diz que análise de processos irá considerar estrutura

Questionado pelo Estadão sobre a falta de infraestrutura adequada em cidades que podem receber cursos de Medicina, o MEC afirmou que, desde 2013, a autorização de novas vagas é condicionada à chamamento público que segue critérios da lei do Mais Médicos e que “os únicos casos em que foi aberto processo fora de chamamento público decorreram de determinação judicial”.

Sobre esses processos, o ministério afirma que eles “estão ainda em análise, em razão da necessidade de envio de documentos complementares e da existência de uma fase adicional de contraditório e ampla defesa”. Em todos esses casos, diz a pasta, os pedidos serão analisados com base no critério de necessidade social, seguindo os termos da portaria 531/2023.

O MEC diz ainda que a análise do pedido de abertura de cursos de Medicina observará, necessariamente, “a estrutura de equipamentos públicos e programas de saúde existentes e disponíveis no município de oferta do curso”, conforme requisitos dispostos abaixo:

Existência de, no mínimo,cinco leitos do SUS disponibilizados para o campo de prática por vaga solicitada;

Existência de Equipes Multiprofissionais de Atenção Primária à Saúde;

Existência de leitos de urgência e emergência ou pronto-socorro;

Grau de comprometimento dos leitos do SUS para utilização acadêmica; e

Hospital de ensino ou unidade hospitalar com mais de 80 leitos, com potencial para ser certificada como hospital de ensino na região de saúde, conforme legislação vigente.

O MEC disse ainda que, desde agosto de 2023, após a decisão do Supremo, vem adotando as medidas necessárias para conferir integral cumprimento à determinação e que o entendimento do Judiciário “é compatível com as medidas que já vinham sendo implementadas” pela pasta.

“O MEC seguirá, portanto, comprometido com a análise de todos os processos de autorização de curso de Medicina em trâmite, seguindo as etapas necessárias para verificar sua conformidade à lei dos Mais Médicos, nos termos da decisão do STF”.

A pasta disse ainda que, na semana passada, concluiu a análise dos primeiros dez processos judicializados, “autorizando apenas aqueles que cumpriram os critérios de necessidade social e infraestrutura necessária para assegurar a qualidade da oferta”.

O ministério foi questionado também sobre os cursos já em funcionamento localizados em cidades sem infraestrutura, mas não respondeu.

A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) também foi procurada pelo Estadão, mas não se pronunciou até a publicação desta reportagem.

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