A Casa Stefan Zweig e suas preciosidades culturais, históricas e literárias

Por Aghata Paredes

Quem passa pela Rua Gonçalves Dias, no Valparaíso, avista uma das casas mais interessantes da cena cultural de Petrópolis. É a Casa Zweig, escolhida como última morada do escritor austríaco Stefan Zweig, que acumulou ao longo de sua trajetória um trabalho ímpar, sendo lido, aclamado e traduzido em diversas línguas. Entre os anos 20 e 30, Zweig era o autor mais traduzido e publicado na Europa. 

Foto: Arquivo Casa Stefan Zweig: Desembarque no Rio, 1936: SZ no Alcântara.

Durante sua primeira passagem pelo “país do futuro”, em agosto de 1936, Zweig ficou encantado com o que encontrou. Apesar de ter permanecido apenas alguns dias no Brasil, de 21 de agosto a 4 de setembro, quando continuou sua viagem por Buenos Aires, já não havia como negar o seu encantamento pelo país. Zweig decidiu, então, retornar em 1940.

Buscando refúgio do nazismo, o intelectual escolheu a cidade imperial para morar com a sua segunda esposa, Lotte. “Ele não quis ficar no burburinho da capital, o Rio de Janeiro, preferindo buscar uma casa em Petrópolis. Em diversas cartas a parentes e amigos, ele cita o que tanto o atraía na cidade imperial: o verde, o sossego, o ar puro.”, conta a jornalista, tradutora e diretora da Casa Stefan Zweig (CSZ), Kristina Michahelles.

Foto: Aghata Paredes / Redação: Carta de Stefan Zweig ao seu editor, Abrahão Koogan, discorrendo sobre a projeção de sua segunda viagem ao Brasil, só realizada em 1940. Londres, 1938.

Ao relatar sua impressão sobre o país no segundo dia de sua visita, Zweig escreveu à primeira esposa, Friderike: “O lugar mais bonito que encontrei.” Essas e outras informações sobre Zweig constam no livro do jornalista e biógrafo do autor, Alberto Dines (1932-2018). O jornalista foi responsável, também, por reunir admiradores do autor austríaco que compraram, em 2006, a casa onde Zweig morreu. Desde 2012, o espaço é um museu e um Memorial do Exílio. 

“Hoje nos mudamos, felizes. É uma casa minúscula, mas com um amplo terraço coberto e uma bela vista, um pouco fresca agora no inverno, e o local é tão maravilhosamente deserto como Ischl em outubro e novembro. Finalmente, um lugar para descansar durante alguns meses, e as malas serão guardadas para não serem mais vistas durante longo tempo.”

Carta de Zweig à primeira mulher, Friderike, 17 de setembro de 1941.
Fotos: Aghata Paredes / Redação: Obra literária de Stefan Zweig, publicada em diversos idiomas.

Coincidência?

O local escolhido para sua última morada, a Rua Gonçalves Dias, remete a um dos poemas mais famosos da literatura brasileira: Canção do Exílio. Justamente, o que Zweig veio buscar no Brasil. 

 “Não pertenço a lugar algum, em toda parte sou estrangeiro, ou, na melhor das hipóteses, hóspede.” 

Stefan Zweig.

“É provável que nem o próprio Zweig tenha se dado conta desta coincidência. Fato é que, desde o início, sempre tivemos como objetivo transformar o museu em um memorial em homenagem a centenas de exilados e exiladas que, perseguidos em seus países de origem, foram acolhidos pelo Brasil e nos devolveram um rico legado nas ciências e nas artes.” Kristina cita como exemplos o filólogo e tradutor húngaro Paulo Rónai, a artista plástica polonesa Fayga Ostrower, o fotógrafo austríaco Kurt Klagsbrunn e o ator italiano Gianfrancesco Guarnieri. 

O trabalho de pesquisa sobre os exilados mencionados anteriormente rendeu diversos frutos: um totem interativo com pequenas biografias em áudio e vídeo na Casa Zweig;  uma série para TV, chamada Canto dos Exilados, que foi ao ar pelo canal Arte 1; e o trabalho honroso, publicado pela CSZ, intitulado Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil (2021). 

Fotos: Aghata Paredes / Redação: Capa do Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil (2021), e a biografia da artista plástica polonesa Fayga Ostrower, uma das 300 reunidas na obra publicada pela Casa Stefan Zweig.

Agora, segundo a tradutora e jornalista, a ideia é lançar luz sobre as incríveis trajetórias desses exilados para mostrar às novas gerações a necessidade de acolher e oferecer condições dignas às pessoas nessa situação. 

“Precisamos ensinar uma juventude a odiar o ódio, porque ele é infértil e destrói o prazer da existência, o sentido da vida (…). Precisamos ensinar (…), que é mesquinhez e exclusão limitar a camaradagem apenas ao próprio círculo, ao próprio país, em vez de se ter fraternidade além dos oceanos, para com todos os povos do mundo.”

ZWEIG, S. O Mundo Insone e outros ensaios. Jorge Zahar Editor, 2013.

Admiração sem fronteiras –  A Casa Zweig recebe em torno de 500 visitantes por mês, dos quais um terço são estrangeiros. São pesquisadores, admiradores e interessados em conhecer o espaço que serviu de refúgio para o escritor austríaco. Desde a sua inauguração, a CSZ é um verdadeiro lugar de encontro, com exposições, concertos, lançamentos de livros, filmes e palestras, sempre com temas relevantes – exílio, Segunda Guerra e, evidentemente, a vida do admirável pacifista Zweig.

Além de toda a experiência promovida pelo espaço onde o intelectual morou, há também um imóvel alugado, localizado no edifício em frente à casa, para abrigar dezenas de livros de e sobre Zweig. No 4º andar do Edifício que leva seu nome, também na Rua Gonçalves Dias, é possível passar os olhos por diversas obras em edições especiais e descobrir nomes correlatos à história do intelectual.

“Temos uma grande quantidade de livros de e sobre Stefan Zweig, acrescida de toda a coleção de literatura sobre exílio da germanista Izabela Maria Furtado Kestler, a pesquisadora brasileira mais proeminente de escritores e artistas que vieram fugidos para o Brasil, depois da ascensão do nazismo. Izabela Kestler foi uma das 228 vítimas do acidente do avião da Air France que caiu no Oceano Atlântico em 1º de junho de 2009, ao viajar para um simpósio na Alemanha. Depois do seu trágico falecimento, a família nos doou o seu acervo. Todos os livros foram catalogados por uma bibliotecária e ficaram alguns anos em um escritório de um dos nossos arquitetos. No ano passado, graças a um apoio financeiro do Consulado Geral da Alemanha no Rio de Janeiro, pudemos disponibilizá-los num apartamento alugado em frente à Casa Zweig para que fiquem à disposição de pesquisadores, que podem acessá-lo através de agendamento. Mas o nosso sonho continua sendo a construção de um anexo para fazer uma sala dedicada à leitura.”

Foto: Aghata Paredes / Redação – Sala de Leitura Stefan Zweig, no 4º andar do Edifício Stefan Zweig.

Falando em livros – Muitas pessoas têm curiosidade a respeito da produção literária do autor na cidade. Em Petrópolis, Zweig completou sua autobiografia O mundo de ontem, deu retoques no ensaio sobre Montaigne e escreveu Novela de Xadrez. Nas palavras de Kristina, uma fascinante metáfora da brutalidade da guerra. “Como traduzi as três obras do alemão para o português, posso assegurar que nelas está a chave para compreender o fim trágico do escritor.”, conta.

Foto: Aghata Paredes / Redação – Um dos grandes atrativos da casa, o tabuleiro gigante de xadrez. 

Surpresa a caminho – Uma das principais missões da CSZ, segundo Kristina Michahelles, é o programa de visitação escolar. “Buscamos aproximar jovens de escolas públicas municipais e estaduais, mas também de estabelecimentos privados, da temática e do ideário humanista e pacifista de Stefan Zweig. Graças a apoiadores, como a embaixada da Áustria, em Brasília, ou a Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido cristão-democrata na Alemanha, temos conseguido levar cerca de 500 jovens estudantes ao museu, mobilizando-os em torno dos eixos temáticos conflitos-perseguição-exílio-integração.” A tradutora das obras de Zweig relata, ainda, que o tema do refúgio domina o século XXI e é preciso que as gerações mais jovens sejam confrontadas com ele. “Não por último, queremos que os jovens petropolitanos entendam que o museu é da cidade, é deles. Para tanto, estamos preparando uma surpresa para o mês de outubro. Só posso contar que essa surpresa é colorida e vai chamar muita atenção…”, adianta.

Foto: Aghata Paredes / Redação

Preciosidades literárias da própria biblioteca de Stefan Zweig

Além dos livros de e sobre Stefan Zweig na CSZ, outro local da cidade onde é possível fazer uma viagem ao passado do austríaco é o Arquivo Histórico da Biblioteca Municipal Gabriela Mistral, também em Petrópolis. Em 1942, após seu suicídio com Lotte, os livros da biblioteca pessoal de Zweig foram doados à biblioteca pública da cidade. Na ocasião da nossa visita, foi possível encontrar alguns deles, inclusive, com dedicatórias de admiradores e amigos do intelectual: Gago Coutinho, Afrânio Peixoto e outros.

Como se não bastasse encontrar essas preciosidades literárias, ainda foi possível descobrir que Zweig era um frequentador do espaço e até ter acesso a alguns dos livros que pegou emprestado no local, quando morava em Petrópolis, como aponta a obra Stefan Zweigs Bibliotheken (2018). Um deles foi O Mandarim, de Eça de Queiroz, e Histoire de France (3 vol.)

Foto: Aghata Paredes / Redação: Stefan Zweigs Bibliotheken (2018).

Outra preciosidade encontrada no Arquivo Histórico foi uma mensagem de Zweig deixada no livro de assinaturas da Biblioteca Gabriela Mistral: “Agradecido pela rica e tão hospitaleira biblioteca de Petrópolis. 18 de novembro de 1941.”

Foto: Aghata Paredes / Redação: Mensagem de Zweig à Biblioteca Gabriela Mistral.
Foto: Aghata Paredes / Redação: Livro das assinaturas dos visitantes ilustres de Petrópolis, Arquivo Histórico.

Durante as pesquisas no Arquivo Histórico foi possível, também, comparar grifos entre alguns livros que pertenciam à biblioteca de Zweig. E, embora não haja como afirmar isso, quem sabe eles tenham sido do próprio autor austríaco?


Para conhecer mais sobre a história de Stefan Zweig, visite a casa onde o escritor morou em Petrópolis. A CSZ, à Rua Gonçalves Dias, 34 – Valparaíso, abre de sexta a domingo, das 11h às 17h. Mais informações: @casastefanzweig e @educativo.csz.

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