A chave das algemas

25/11/2018 08:00

“Oh! Bendito o que semeia/ Livros… livros à mão cheia…/ E manda o povo pensar!/ O livro caindo n'alma/ É germe — que faz a palma,/ É chuva — que faz o mar”. Com esses versos do poema “O Livro e a América”, de Castro Alves, quero afirmar que não é vã a luta contra a ignorância. Nesse poema, o autor também diz: “O livro — esse audaz guerreiro/Que conquista o mundo inteiro/ Sem nunca ter Waterloo…”

A liberdade cidadã consolida-se quando se ultrapassa a barreira do analfabetismo.  O ler não é somente uma opção de entretenimento, mas, acima de tudo, o acesso a um universo que também tem dimensão infinita. Mario Quintana foi bastante feliz, quando escreveu: “livros não mudam o mundo,/ quem muda o mundo são as pessoas./ Os livros só mudam as pessoas.”

Essa mudança das pessoas efetuada por meio dos livros promove um crescimento interior que incomoda aqueles que desejam manter, sob controle, o senso crítico da população. Não se tem controle sob as mentes abertas aos livros. Por isso que a educação é vista como ameaça pelos adeptos do absolutismo que não respeita as diferenças. 

O educar para a liberdade não se restringe às questões políticas. A dimensão do ser humano vai além do sistema de regras que rege as relações sociais. Cora Coralina definiu bem o contínuo processo educacional, quando afirmou: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes.”

 Ela deixou claro o fato de que a educação não se limita ao âmbito escolar. Por isso não concordo com esse projeto de Lei que ficou conhecido como “Escola sem Partido”. A corrupção não é matéria curricular. Não é na escola que se ensina a matar, a roubar, a saquear os bens públicos.  O cancro social não é a escola. É um equívoco responsabilizá-la pelos desvios de conduta. As mazelas sociais não podem ser atribuídas às ações dos educadores. É preciso entender que o educando é sujeito do processo educacional e não objeto de depósito de informação. Albert Einstein já dizia: “não ensino meus alunos. Crio a condição para que aprendam.” 

Essa conduta de Einstein reitera o que afirmara Paulo Freire: "Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”

Com se não bastasse o sucateamento da educação, as péssimas condições de trabalho, agora surge esse Projeto de Lei que pretendente estabelecer normas que cerceiam a prática pedagógica. Achar que o problema da escola está relacionado à questão ideológica consiste em outro equívoco. 

A escola não é o único ambiente em que uma pessoa exerce a aprendizagem. O posicionamento crítico provém da análise que emerge da leitura da realidade. Por isso, a desigualdade social é que mais provoca a insatisfação popular.

Conduta doutrinária consiste em querer que o outro pense aquilo que se acha que ele deva pensar. Tolher o pensamento é abortar o processo dialético inerente à prática do ensino e da aprendizagem. A sala de aula necessita da autonomia que a Ciência exige para desenvolver-se.

É triste ouvir os inconsistentes argumentos dos que defendem o citado Projeto.  É óbvio que a escola como a Ciência devem ser apartidárias e com autonomia para definir suas próprias diretrizes. A liberdade da comunidade escolar para elaborar o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) tem que ser respeitada, principalmente em uma democracia. No Brasil, a elaboração desse citado projeto é garantida pela Lei de Diretrizes e Bases. E não se pode esquecer que o Estado é laico.

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