A cultura da gambiarra

08/set 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

O “jeitinho brasileiro” já é conhecido internacionalmente. O termo “quebra-galho” está inserido no Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa). A cultura do improviso foi assimilada popularmente. Essa prática é que me preocupa quando exercida no setor público, principalmente em segmentos que são voltados para os serviços essenciais que precisam ficar à disposição do povo como saúde, transporte, educação, saneamento básico, segurança…

O “jeitinho”, o “quebra-galho” são recursos que caráter circunstancial, provisório, emergencial. O “por enquanto” não pode ser visto como solução de problemas crônicos que dependem de ações focadas no bem da coletividade.

É inconcebível uma gestão pública voltada somente para os interesses de um determinado grupo com afinidades partidárias. O poder sempre foi cobiçado por quem deseja transformá-lo em bem privado. E quem o alcança com tal propósito adota a política do clientelismo, uma vez que não prioriza o atendimento das necessidades do povo. Para ter essa constatação, basta olhar para as filas nos hospitais públicos, para as doenças provocadas por falta de saneamento básico, para o sucateamento do transporte coletivo, para o estado precário de instituições de ensino. O descaso com o bem-estar da população menos favorecida é visível.

Ouvimos constantemente que a corrupção se encontra inserida culturalmente no país, uma vez que o cafezinho, a caixinha, a cervejinha, a gorjeta, o por fora, o caixa dois, o molha a mão, o jabá, a propina, o cala boca, o sem nota, o sem recibo, o pix por lobbying, a transferência eletrônica fora das declarações de renda são práticas frequentes. Em síntese, o mecanismo de suborno, o tráfico de influência estão inseridos no cotidiano. Contudo, não se pode aceitar isso como algo legítimo só por estar presente nas diversas camadas sociais.

Hoje, com o volume de informações à disposição do povo, é possível desmitificar quem se apresenta demagogicamente como “salvador da pátria”. Pão e circo (panem et circenses) já não bastam para enganar o povo. A população começa a questionar o comportamento dos governantes. A postura ética, a idoneidade moral, a ficha e as mãos limpas são exigências do processo eleitoral. Ainda temos muito que melhorar, mas os primeiros passos estão sendo dados…

A velocidade das mudanças, inquestionavelmente, passa pelo sistema educacional. Mas é preciso ressaltar que essa educação não se limita ao âmbito escolar, a família tem papel importante na fundamentação de valores que possam consolidar o respeito mútuo.

Em nosso país, algumas mudanças, embora lentas, são identificadas no comportamento da população, não podemos mais afirmar, com veemência, “tal rei, tal povo” (quales principes, tales populi). Pelo voto, de forma democrática, a sociedade aprendeu a dizer não.

Quem hoje pensa que o povo é “uma vaca de presépio” engana-se.  As urnas, embora de forma lenta, refletem uma insatisfação diante das ações dos gestores públicos. Essa lentidão se deve à carência de pessoas que possam servir de referência de comportamento ético no mundo da política. O “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” agora só serve como exemplo de incoerência. O “quem não sabe dissimular não sabe reinar” (qui nescit dissimulares nescit regnare) começa a ruir, porque “alguém pode enganar poucos por muito tempo, muitos por pouco tempo, mas não todos por todo tempo” como afirmara Abraham Lincoln.

Ultimamente, nos debates entre candidatos ao poder executivo municipal, percebe-se a presença da política voltada para a “desconstrução de imagem”. Os verdadeiros problemas que afetam a população têm ficado em segundo plano.

As agressões, os xingamentos, as calúnias veem se destacando, ocupam o espaço que deveria ser usado na discussão de propostas voltadas para a busca de soluções de problemas que afetam os munícipes. Para mim, essa é a política da gambiarra, que não apresenta soluções viáveis nem a curto, nem a médio, nem a longo prazo.  Fica no plano da demagogia, uma vez que é fundamentada em promessas que nunca serão concretizadas.

E a referida desconstrução torna-se possível quando a imagem é apenas um produto de marketing, um perfil cuidadosamente trabalhado para impressionar o eleitor, por isso não resiste às consequências das contradições quando evidenciadas. A imagem criada “para inglês ver” não se sustenta. O próprio tempo se encarrega de desmitificá-la.

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