A Dama de ferro e o Ministro Guedes
Margaret Thatcher foi uma figura polêmica. Primeira mulher na história da Inglaterra a ocupar o cargo de Primeiro-Ministro (1979-1990). E o fez com pompa, circunstância e determinação de quem ia deixar suas pegadas nas areias do tempo. Alguns a ombreiam com Winston Churchill, inclusive na veia guerreira ao enviar a marinha inglesa para retomar as Ilhas Malvinas invadidas pelo general Gualtieri. Seus habitantes repudiavam o ato de força do ditador argentino, satisfeitos que estavam em fazer parte da Coroa inglesa. De quebra, ela ajudou a desmoralizar os militares golpistas, que, desde então, arrefeceram suas frequentes intervenções na vida política argentina.
Quando de sua morte, em 2013, a baronesa Thatcher recebeu inúmeras homenagens. Uma delas, um tanto estranha, partiu de um intelectual de esquerda, que deu o braço a torcer: “Eu continuo a odiar Margaret Tchatcher, mas ela me ensinou que quem cuida da minha vida sou eu.” Na verdade, ele estava reconhecendo quão acomodada estava a Inglaterra “socialista” na época em que ela assumiu o governo de Sua Majestade.
No seriado da NetFlix, The Crown, quarta temporada, segundo episódio, intitulado Teste de Balmoral, a futura baronesa e seu marido Denis foram convidados a passar alguns dias nesse castelo. Foi quando sua forte personali- dade se manifestou. Ao se sentir um tanto esnobada, ela alega assuntos urgentes de governo e vai embora antes do término dos dias que iria passar junto à rainha Elizabeth II e seus familiares. Dentre os que ocuparam o cargo de primeiro-ministro, foi a única que tomou atitude tão incisiva. E a rainha captou a mensagem.
No mesmo episódio, já em Londres, numa das audiências semanais da primeira-ministra com a rainha, esta lhe perguntou se ela não tinha receio de enfrentar inimigos em todo o arco político: esquerda, centro e direita. Ela diz que não, com convicção, e cita o poeta Charles MacKay: “Você diz que não tem inimigos, é? Aí meu amigo, a bazófia é fraca. Aquele que se meteu na contenda do dever, a que o bravo se submete, certamente fez rivais! Se não fez nenhum, pequeno é o trabalho que fez. (…) Você nunca transformou o errado em certo. Você foi um covarde na luta.” E a rainha certamente se deu conta de que estava diante de alguém que veio para mudar a face do País.
Margaret Thatcher, para reverter o elevado desemprego e o baixo crescimento por tempo demasiado, tomou uma série de medidas nas áreas da política e da economia. Reformou inclusive seu gabinete, despachando os recalcitrantes incapazes de lhe dar apoio efetivo em suas ousadias. A desregulamentação, em especial do setor financeiro, era sua pedra de toque que a levou em direção a mercados de trabalho flexíveis, privatização das ineficientes empresas estatais e redução da influência e poder dos sindicatos.
Num primeiro momento, em que colocava o País de pernas para o ar, sua popularidade encolheu. Custo da transição. Mas a partir da vitória na defesa dos ilhéus das Falklands, em 1982, e dos primeiros frutos das novas políticas, o quadro se reverteu a seu favor, abrindo espaço para permanecer por onze anos no poder e consolidar suas reformas. O Partido Conservador venceu as eleições em 1983 e depois em 1987, o que lhe conferiu um terceiro mandato. Ela sobreviveu inclusive a uma tentativa de assassinato em 1984. Finalmente, seu apoio a um imposto comunitário impopular e amplamente rejeitado, e sua posição crítica sobre a Comunidade Econômica Europeia, retiraram-lhe o apoio de seu próprio gabinete, levando-a, bastante magoada, a renunciar.
“E como se encaixa o ministro Paulo Guedes no quadro descrito?”, me perguntaria o(a) ansioso(a) leitor(a), antes que o artigo acabe. Vamos lá.
Ao percorrer o quinto parágrafo deste artigo referente à desregulamen-tação e às medidas que Thatcher tomou, é relativamente fácil aferir o quanto o Brasil caminhou ou ficou paralisado em direção ao que precisa ser feito para retirar o país da desonrosa posição de colecionador de décadas perdidas.
É fácil constatar a proximidade entre as políticas de Thatcher e as do ministro da Economia. A diferença é que lá eles reagiram bem mais rápido do que nós, que corremos o risco de emplacar a quinta década perdida. Ou, para ser mais suave, de baixo crescimento.
Sem dúvida, a reforma trabalhista, depois de muitas idas e vindas, permitiu flexibilizar nosso mercado de trabalho e sua capacidade de gerar mais empregos, como ocorreu na Inglaterra. Mas a privatização está a passo de cágado, testando o ânimo abalado do ministro Guedes, assim como as reformas administrativa e tributária, ambas em ritmo lento num congresso lerdo que está mais preocupado com eleições do que com o País.
A maior vitória do ministro da economia – logo ele, um banqueiro! – foi fazer a taxa de juros cair a 2%, feito inédito num país que dispunha de explicações marotas para as razões de ela permanecer sempre lá nas nuvens. Colocá-la bem abaixo da taxa de retorno do capital fez com que fundos de investimento e de administração de grandes fortunas comecem a sair da zona de conforto do ganho financeiro fácil para aplicar no setor real da economia.
De resto, temos um STF que ignorou as leis econômicas na questão da redução proporcional de salário e jornada no setor público. Modo nada elegante de nos dizer que os integrantes do setor privado caíram para a situação de cidadãos de segunda categoria, onde o salário pode zerar (desemprego!). E aí pode. Os ilustres ministros sequer perceberam o salto de produtividade que teriam propiciado ao País caso a redução proporcional tivesse vencido o placar. É óbvio que muitos iriam procurar o que fazer, por exemplo, no meio expediente livre que teriam. Mais: os remanescentes com salário integral teriam outro nível de comprometimento com seus afazeres em função da possível redução proporcional de salário e jornada.
E foi assim que nos restou, a nós e ao ministro Guedes, por enquanto, ter inveja da Inglaterra. Até quando?