A enfermeira em tempos de pandemia

12/08/2020 09:39

Joaquim Eloy dos Santos, escritor

Cinco horas e o estridente despertador vara o silencia da manhã que vem surgindo. Mão trêmula procura a trava da campainha, tateia… encontra… preme… O silêncio total volta a bordar a madrugada agonizante. Mas, por alguns segundos, apenas.

A enfermeira deixa o leito e segue seu rito diário de higiene cuidadosa; prepara uma porção de café que ingere junto a uma fatia de pão de forma untado com margarina; veste agasalhos; coloca a máscara protetora… e sai para o sereno que brota do céu. Acelera os passos tomando a direção do ponto de ônibus.

Dentro do transporte coletivo consegue um lugar, que rejeita, preferindo a viagem na apertura do corredor. Ao lado do lugar vazio encontra-se um homem sem a máscara protetora e obrigatória. E o lugar é logo ocupado por duas escolares que se comprimem e se acomodam sem medo ou cuidado algum.

A enfermeira chega ao hospital bem a tempo de firmar no cartão de ponto sua presença absolutamente no horário. Paramenta-se para iniciar sua jornada, substituindo a plantonista da noite e dela recebendo as principais recomendações de cada paciente. Percorre salões e salas onde se encontram os doentes assistidos, lê cada apontamento médico, olha e observa os pacientes e verifica a medicação e as providências a serem tomadas, até dedicar-se ao doente diretamente sob sua responsabilidade e de suas substitutas.

Soturno o ambiente; silêncio em clima de expectativa, um e outro gemido tanto de dor como de tristeza em lucidez que oprime no lugar de bálsamo. A enfermeira sofre, cerra os punhos como se fosse nocautear o demônio, levanta a cabeça e impavidamente assume sua vanguarda na guerra cruenta e sem tréguas contra a covid-19.

Vira, acompanhara, atendera, medicara dezenas de infectados lutando contra o mal, nunca esquecidos os olhares súplices de muitos pacientes sentindo a vida desprender-se do agonizante corpo.  Ela já chorara bastante sob emoções ditadas por funestas ocorrências, como lacrimejara sorrisos ao ver o aplauso de alegria prestado aos que vinham sobrevivendo.

A enfermeira, criatura humana exposta a riscos mortais, permanece na vigília, acompanhando a dedicação das colegas como o sofrimento igual dos médicos, sentindo as dores da desesperança captada nos olhares perdidos como nos comas que avizinham tragédias, morrendo lentamente junto a cada paciente desesperançado e pela ciência desenganado.

A enfermeira é um ser humano especial dotado de bondade, destemor e especial esperança, crendo sempre na vitória, embora cercada de tragédias que a animam a lutar mais, por elevado espírito do verdadeiro e comovente amor ao próximo, hoje tão esquecido em tempos de ferro e fogo, desamor e ódio, sentimentos inexistentes no coração da enfermeira.

Em tempos dessa maligna covid-19, querida enfermeira eu creio em você, na medicina, nos seus profissionais de todas as especialidades, cientistas, laboratoristas, médicos e médicas, enfermeiras e enfermeiros como creio que a pandemia presente veio para harmonizar e sensibilizar mais a criatura humana, que anda atabalhoadamente enlouquecida diante do péssimo destrambelhar da vida social, política, financeira que não cessa de corromper a alma humana.

Eu creio na bondade acima de tudo.

 

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