A fumaça do bom direito

05/02/2019 12:00

Para um adepto da gestão participativa, é um conceito lindo, embora leve a correr riscos. Certo de ter a fumaça do seu lado, a pessoa acha que será ouvida e entendida, desconhecendo ritos, normas, usos, percalços, despesas, riscos de insucesso e até de sucumbência. Ui!

Um exemplo. Fundador de um partido marcado pela democracia interna, e vindo a sofrer limitações na mobilidade pessoal, assisti à tomada hostil de controle da sigla por corsários do ramo. Notem que, pudesse eu prever o que aconteceria, não trocaria a alternância no poder que nos regia pelas presidências de quarto de século que controlam tantos partidos; o TSE as aceita, eu não.  No caso da nossa ex-sigla, criaram um Conselho Gestor Nacional, composto pelos próprios donos do circo, com longos mandatos e poderes absolutos.  Pensei que a loucura seria barrada; qual, foi “aprovada” por Acórdão da Corte. Alertei, mas a fumaça do bom direito do João Ninguém passou despercebida em Brasília. Por anos a fio, o CGN fez e aconteceu. Até que as reiteradas brigas à volta do baú do tesouro levassem a sigla a esbarrar nos arrecifes da cláusula de barreira. Se o MP não pode velar sobre partidos (só sobre suas fundações) e se os estatutos das siglas de direito privado são vistos como interna corporis, aprovar textos sem crivo minucioso não atende o interesse popular. Erro? 

Fumaça parecida me arde as vistas quando o assunto são as candidaturas avulsas. A CF, elaborada por bancadas partidárias, adotou duas determinações que batem de frente. Uma tem o status de direito fundamental, é o XX do art. 5º: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Outra impõe a filiação como condição de elegibilidade. Exige-se aqui o que lá se veda. Nunca dirimiram a contradição, optaram pela compulsão à associação. A fumaça, mais uma vez, subiu aos céus em vão.

Aos meus olhos de leigo, que já cansaram de ver o que prefeririam desconhecer,  outras fumaças deveriam merecer a atenção de mentes mais doutas. Por exemplo: não entendo o nosso quadro legal do planejamento municipal. A CF inscreve o plano diretor no capítulo da Política Urbana e Município não é cidade; tem uma cidade-sede, pode ter outra(s) cidade(s) no seu território, assim como vilas. A Lei 10.257, ao regulamentar os artigos 182 e 183 da CF, coloca o plano diretor urbano no alto do pódio municipal. Ei! Falta, em 1º lugar, um plano estratégico de 20 anos, municipal, a ser elaborado por iniciativa do povo, eis que os mandatos em curso se extinguem em 31.12.20. 

Outra fumaça: o TSE, por exemplo na Resolução nº 23.455/15, cita a Lei Eleitoral (9.504) ao exigir, no artigo 27, que os candidatos a prefeito apresentem as suas “propostas defendidas”, mas legisla no § 9º do artigo: “As propostas de governo (…)”. A Lei não fala em “governo”, as propostas podem ser sobre participação ou transparência. Resoluções não legislam, e as consequências são dramáticas, pois os Municípios viram cataventos ensandecidos girando a cada quadriênio. Doideira que vira quebradeira sem responsável. A fumaça esperneia o quanto pode, mas não evitará que o Povo, excluído do planejamento, pague a conta. Haja fumaça! 

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