A grande roda da vida

09/12/2018 08:00

Em uma manhã de domingo, tive a grata surpresa de receber a ligação de uma amiga que tem mais de 90 anos. Eu a conheci aqui, por esse ofício de expor o pensamento em palavras no desejo de manter o diálogo em torno da reflexão que a vida nos cobra a todo instante. Pensar o viver é um ato que requer o desprendimento das censuras, porém nos coloca neste fio tênue que a verdade tece por exigir coerência entre o que se diz e o que se vive. É por este caminho, que a realidade legitima a teoria pela prática. 

“Viver é muito perigoso” como afirmara Guimarães Rosa, mas é necessário correr o risco quando se pretende, dentro dos nossos limites, ser útil. A palavra ainda funciona como espelho: expõe o real, mesmo nas entrelinhas. 

Na conversa descontraída que tive com essa estimada amiga, ouvi uma história que desejo compartilhar. Ela narrou um conto que ouvira, quando criança, do seu saudoso pai: 

“Um dia um menino muito pobre peregrinava pela cidade, pedindo um prato de comida. Ouvia muitos nãos, mas não desistia, porque a fome falava mais alto. Deparou-se, uma vez com um rico senhor que se comoveu com o pedido dele e falou:

– Pago o seu almoço, se você me disser o que Deus está fazendo neste exato momento?

O menino pensou, pensou, pensou, mas não conseguia imaginar o que Deus deveria estar fazendo exatamente naquele instante. Lembrou apenas que a mãe dele dizia que Deus mora no céu com os anjos. E respondeu ao moço:

– Deus, neste exato momento, está brincando de roda com os anjos. Ora rodam para frente, ora rodam para trás.

– Como você sabe que Deus está fazendo isso agora?

– Deus gosta de criança. E criança gosta de brincar. E brincar de roda é bom, não precisa correr. E não dar para brincar de se esconder, porque Deus vê tudo.

O senhor se deu por satisfeito, embora soubesse que o menino havia improvisado aquela história. Pagou a comida para ele.

O garoto não desistiu da vida, não se envolveu com nada errado. Com o sacrifício dos pais, com o auxílio de algumas pessoas, estudou, formou-se, arrumou um bom emprego e passou a trabalhar voluntariamente em uma instituição filantrópica que ajudava pessoas em comunidades carentes, principalmente nas situações de calamidade pública.

Em uma ocasião em que servia almoço para várias pessoas que tinham perdido tudo em uma enchente, contou que era muito grato a um senhor que um dia lhe havia dado um prato de comida, mas antes perguntara o que Deus fazia no instante em que conversavam. E assim, repetiu a resposta que havia dado a ele:

– Deus está brincando de roda com os anjos, ora rodam para frente, ora rodam para trás. 

Depois de dar esse depoimento, passou a servir o almoço aos desabrigados. Quando colocou a comida no prato de um senhor idoso, percebeu que ele o olhava com um semblante fixo e com os olhos cheios de lágrimas. 

– Fui eu quem pagou o seu almoço naquele dia. Hoje você é quem está me dando um prato de comida. Agora entendi, porque ora a roda gira para frente, ora a roda gira para trás. 

Os dois se abraçaram emocionados…”

Quando a amiga terminou de contar essa história, pedi permissão para escrever o que ouvira. Ela me disse que se tratava de uma história simples, talvez algumas pessoas até já a conheçam. Contudo, a lição de vida que ela transmite pode nos levar a pensar, uma vez que “não devemos plantar espinhos na subida, porque podemos descer descalços. ”

– Dona Otília, mais uma vez, obrigado! O amor que a senhora tem pela vida é um estilo. Viver é perseverar, por mais que seja perigoso. A humildade que semeamos na ida é a que colhemos na volta.

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