A história se repetindo como farsa
Em 17 de fevereiro deste ano, publiquei, em O Dia, no Diário de Petrópolis e na Tribuna de Petrópolis, um artigo intitulado “O golpe que não houve e o outro” em que analisava a questão dos diversos tipos de golpe que marcaram a história republicana brasileira. Dentre eles, aquele que permite o surgimento da ditadura do Judiciário, acerbamente criticada por Ruy Barbosa. Ele a qualificava como como a pior delas, pois não haveria a quem recorrer. Eu denunciava a tentativa de punir crime de pensamento, algo que não havia acontecido por falta de materialidade, esta sim a ser punida, e que é prevista, quando ocorre, em Lei.
Eu me referia à tentativa de golpe de Estado em suposta gestação no final do governo Bolsonaro, que nunca deu as caras como fato consumado. Chamava a atenção para o passado de Bolsonaro e seu histórico disciplinar controverso dentro do Exército, que trabalhava contra suas supostas intenções golpistas. E para a realidade concreta de que não houve golpe. Alertava, ainda, quanto ao outro golpe sob a capa de defesa da democracia, em que o ministro Alexandre de Moraes assumia simultaneamente funções que lhe eram proibidas pela própria constituição vigente.
De repente, não mais que de repente, a sociedade brasileira tomou conhecimento, neste mês de novembro, através de investigações da Polícia Federal, das maquinações de um grupo de militares golpistas que pretendia assassinar Lula, Alckmim e o ministro Alexandre de Moraes pouco antes da posse do atual governo federal. A ligação de Bolsonaro com o grupo é sugerida com o objetivo de afastá-lo definitivamente da cena política nacional. Um dos ameaçados, Alexandre de Moraes, assume o palco como juiz dele mesmo. Mais uma vez, violando a constituição de 1988.
Vale relembrar a sabedoria do Garrincha em sua famosa intervenção numa reunião sobre como enfrentar a então poderosa equipe da URSS em jogo de copa do mundo. Ele queria saber se haviam combinado com os russos. No atual caso brasileiro, os russos seriam o povo brasileiro. É pública e notória a desconexão de políticos, partidos, governos e STF com a população em geral. A prova irrefutável é a escassez de plebiscitos no dito regime republicano. Mas a reação popular questionadora vem-se avolumando nas redes sociais.
A entrevista do sempre sensato senador Rogerio Marinho, no Globo, de 23/11/2024, é bastante incisiva. Cita frase do próprio Lula de que “Aloprado tem em todos os lugares”. Para ele, conectar o ex-presidente Bolsonaro ao Plano de Assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes “à ofensiva golpista é forçar a barra””. Além disso, a tradição de assassinar presidentes não faz parte de nossa história, bem mais adequada ao caso dos EUA.
Mas não é só no País que as reações negativas se fazem sentir. Artigo publicado pela colunista Mary Anastasia O’Grady, do Wall Street Journal, em 18/11/2024, faz duras críticas ao panorama autoritário emergente na América Latina, com destaque para o Brasil sob a batuta de Lula. O viés dele por governos autoritários é corretamente assinalado. A atuação do Brasil nos BRICS estaria indo na mesma direção nefasta quanto às práticas democráticas. É sempre o velho vício da esquerda de impor ao povo aquilo em que ele deveria acreditar e fazer.
Voltando um pouco à nossa desastrada história republicana, paira no ar certa semelhança àquele falso Plano Cohen, que teria sido arquitetado pelos comunistas, com ameaças de greves, incêndios de prédios públicos, saques, depredações e assassinatos de autoridades. Getúlio Vargas o usou para instalar sua ditadura do Estado Novo, em 1937, que lhe deu amplos poderes, cancelando as eleições presidenciais de 1938. E lá se manteve até 1945.
À falta de comunistas no pedaço, foram direto ao prato principal, desta vez, de direita, o ex-presidente Bolsonaro. Preventivamente, as peças do tabuleiro estão dispostas de modo a dar um xeque-mate. Um grupo aloprado resolve pensar em golpe e assassinato de autoridades como no Plano Cohen. O intuito é liquidar de vez qualquer anistia para o 8 de dezembro, mesmo em casos flagrantes de injustiças e decisões arbitrárias, sem amparo legal, do ministro Alexandre de Moraes ao condenar a penas longas pessoas idosas que não participaram do quebra-quebra.
O eminente jurista Yves Gandra Martins questiona a ausência de materialidade do fato investigado pela Polícia Federal. Tramar golpe é muito diferente de dar um golpe. É evidente a presença de outros interesses nada católicos da alta burocracia federal, aqui inclusa a Polícia Federal. Getúlio Vargas era mestre do velho jogo de deixar ficar para ver como é que fica. E o deixar ficar como está beneficia segmentos específicos da alta burocracia não só federal cujo compromisso na luta contra a desigualdade é rarefeito.
As investigações buscam chegar diretamente a Bolsonaro. O alvo é ele, sem dúvida. Há também escorregões inaceitáveis no processo. Das 37 pessoas indiciadas, existem quatro militares que funcionaram como seguranças, inclusive do próprio Lula, no encontro do G20, no Rio de Janeiro. Se suspeitos, obviamente, não poderiam ser aceitos como membros da segurança dos chefes de governo e de Estado presentes à reunião, aqui incluído Lula.
É sábia a posição adotada por Paulo Gonet, procurador-geral da república, quanto à denúncia de Bolsonaro pela Polícia Federal ao deixá-la para o ano de 2025. A menção na grande mídia sobre a caneta equilibrada de Gonet nos faz antever que fará um exame minucioso antes de formalizar a denúncia. Fica claro seu desconforto em atropelar o devido processo legal ainda inconcluso. Atitude bem diferente de Alexandre de Moraes que não se vexa em tais situações, inclusive sugerindo a subordinados que sejam criativos para passar por cima das normas legais a serem cumpridas.
Ou será que se inspiraram naquele plano usado por Vargas para implantar sua ditadura, desta vez montado pela dita extrema direita? A conferir.
**Sobre o autor: Gastão Reis é economista e escritor.