A imprensa alternativa espalhou o Modernismo para além de São Paulo
Depois da fanfarra da Semana, os ideais modernistas circularam para além de São Paulo. Assunto quente nas rodas boêmias e literárias, espalhar as crias do Modernismo de forma independente, por meio de revistas, serviu como laboratório editorial para gerações de escritores que não tinham espaço em jornais da grande imprensa. Publicar nesses veículos era um importante marco em tempos analógicos e se, por sorte, o exemplar (muitas vezes em edição numerada) caísse nas mãos de algum caixeiro-viajante, corria-se o risco de a produção que ali estivesse parar nos cantos mais remotos do País. E não era tão difícil revistas de São Paulo, como Klaxon, Terra Roxa e Outras Terras, A Cigarra, pulularem em outros cantos. Graças ao sentimento de vanguarda incendiário nas universidades, as publicações iam embarcadas nas malas dos estudantes que voltavam ao interior, e outros Estados, carregados de ideias revolucionárias (e artísticas).
Embora os periódicos tivessem vida curta, a mais famosa das revistas, Klaxon (1922-1923), nasceu das mãos dos bastiões do movimento, como Graça Aranha e o próprio Mário de Andrade. A publicação foi um marco na imprensa alternativa muito por conta da arrojada diagramação (que fez escola para periódicos como Verde e Madrugada) e de colaborações valiosas, de Guilherme de Almeida a Manuel Bandeira.
Nos moldes da Klaxon, dezenas de publicações nanicas foram lançadas ao longo da década. Das mais famosas, a Revista de Antropofagia (1928-1929), também em São Paulo, contou com o apoio de muitos escribas que contribuíram com a Klaxon; em Belo Horizonte, os manifestos modernistas floresciam em A Revista (1925), sob os cuidados dos poetas Emílio Moura e Carlos Drummond de Andrade, que publicaram textos de autores como Pedro Nava e João Alphonsus. Das que tiveram maior duração, A Festa foi uma das mais badaladas. Editada por Tasso da Silveira e Andrade Muricy, o mensário saiu da prensa em 1927, com colaboração de Murilo Mendes, Abgar Renault e Cecília Meireles.
O ano de 1927 foi movimentado para publicações literárias. Em Fortaleza, por exemplo, a recém-fundada revista Maracajá trazia escritos de autores regionais cujo sonho era viver das letras, como Mario (Sobral) de Andrade, homônimo do escritor paulista, conhecido como Mário de Andrade (do norte). Engenheiro agrônomo e agitador, o rapaz contava com a camaradagem de magistrados e funcionários públicos para espalhar o movimento modernista na cidade; das figuras, a mais conhecida é Rachel de Queiroz, autora de O Quinze, imortal da ABL, também foi colunista do Estadão.
VITRINE
Esse começo errante no mundo editorial marcou gerações de escritores que debutaram em revistas alternativas. Em outras partes do País, como no Rio de Janeiro, entre 1924 e 1925, a revista Estética era editada por Sérgio Buarque de Holanda, importante vitrine para a publicação de críticos e literatos cariocas. “Há uma continuidade dos princípios modernistas da Semana, inclusive com repercussões da estética futurista, embora com menos ousadia/irreverência gráfica”, escreve o crítico literário Maurício Silva sobre a empreitada editorial. “Não obstante, Estética inaugura a polêmica e a cisão entre alguns dos modernistas, inclusive voltando algumas de suas críticas para a produção deles próprios. Trata-se, assim, de uma busca da maturidade do movimento, tudo mesclado a um difuso espírito nacionalista, outra marca recorrente da revista, cada vez mais presente em suas páginas.”
Para Luiz Ruffato, autor de A Revista Verde de Cataguases: Contribuição à História do Modernismo (Autêntica), a expressão de nacionalismo empregada nos periódicos é diferente do que hoje significa. Em miúdos, não existia sentimento ufanista ou qualquer bobagem patriótica conservadora ligados ao movimento verde-amarelo. “A lenda que se criou em torno do nome da revista é um equívoco, ela assim se chamava por conta dos integrantes do grupo verde, muito jovens e imaturos”, conta Ruffato. Um dos pilares do Modernismo, a valorização da cultura nacional e, posteriormente, a corrente do regionalismo, inclusive no Nordeste, rendeu bons frutos para a literatura, como o Movimento Modernista em Pernambuco, com Gilberto Freyre e José Américo de Almeida como faróis.
No sul do País, um suplemento literário foi elogiado por Guilherme de Almeida em visita a Porto Alegre na década de 1940. A revista Madrugada existiu graças ao ímpeto de jovens universitários, cujo maior orgulho, além das belas capas, foi ter publicado o poema As Máscaras, de Menotti Del Picchia, cuja casa em São Paulo foi a incubadora do movimento. No Paraná, o futuro autor de O Vampiro de Curitiba se esmerava no mimeógrafo: Dalton Trevisan conseguiu fazer a revista Joaquim perdurar por alguns números entre os anos de 1947 e 1948, publicando artistas como Sérgio Milliet e Vinicius de Moraes.