A “infância roubada”
Professora Rosina Bezerra de Mello Santos Rocha
Dia 7 de agosto foi a data comemorativa dos 14 anos de promulgação da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha. Neste ano completam-se os cinco anos da lei 13.104/2015 – Lei do crime de feminicídio e os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – lei 8.069/1990. E o que vemos por aí? Leis e mais leis e deparamos com o aumento do número de crimes contra a mulher e contra questões de gênero, contra meninas e adolescentes, contra a infância, além do vergonhoso aumento da criminalidade entre jovens e adolescentes (des)protegidos e estimulados para o crime pelo ECA.
Sem ser pudica, sem purismo, creio que a sociedade tornou-se omissa demais, permissiva em excesso com nossos jovens e crianças. Não é nada bonito o que fizemos largando-os de mão. Educar dá trabalho, exige cuidado e dedicação!
A erotização pública e exagerada de crianças ganhou força em meados dos anos 1980, na “Era Xuxa”, com as roupas sensuais que lembravam as moças do calçadão da Avenida Atlântica, ou da vila Mimosa, ou da casa da Luz vermelha, se é que me entendem. A situação foi agravada com o “Tcham” e as garotas dançando na boquinha da garrafa… os pais, tios, primos, os homens da família aplaudindo suas meninas de três, quatro, cinco anos ou mais, imitando a coreografia que simulava uma posição do ato sexual. Que bonitinho! Diziam. E as mães dessas crianças, o que fizeram? A maioria nada. Muitas aplaudiram a aprenderam a dançar o tcham e a se vestir como a Xuxa. Sensualizar virou febre nacional, sem distinção de classe social.
As consequências foram desastrosas. De acordo com os dados do Ministério da Saúde (2020), desde 2008 são mais de 32 mil abortos e, atualmente, o Brasil registra 6 abortos legais diários de meninas grávidas e uma média de 20 mil partos anuais, todas meninas de 10 a 14 anos. Cresce o número de crianças de 10 a 11 anos grávidas. Não considerei as meninas de 15 a 19 anos. Também não obtive informação acerca da gravidez em razão de estupro. Os números equivalem a registros das capitais, pois maioria das cidades não tem um controle confiável para entrar na estatística. Esse controle é precário.
Em relação à delinquência juvenil, os dados do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, baseado no levantamento realizado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ) sobre o quantitativo de menores infratores em regime de internação no Brasil mostra que existiam, em 2018, mais de 22 mil jovens internados nas 461 unidades socioeducativas em funcionamento em todo o país. Em 2019, esse número cresceu. Mais de 90% dos jovens (25.802) que cumprem medidas educativas são do sexo masculino, contra 2.665 do sexo feminino (CNJ, 2020). Esses números correspondem aos internados. Se considerarmos os que estão a serviço das facções e/ou milícias que dominam as comunidades em todo o território nacional, esse número pode quadriplicar.
Há na Constituição Federal – CF/1988, no Título VIII que trata Da Ordem Social, em seu Capítulo VII – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, o artigo 227 que faço questão de transcrever: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (grifo nosso).
De que vale a Lei se não a conhecemos e praticamos? Não quero vitimizar esses jovens, pois não concordo com essa narrativa. Quero com esta minha escrita despertar a sociedade para a nossa passividade e omissão. Lei não funciona sozinha, papel não fala, não respira e não age. Temos quase quatro gerações de brasileiros jogados no lixo, entregues à própria sorte, deixados ao deus dará. Estão ausentes a família, a sociedade e o Estado. Nossas crianças e jovens mal têm vida, educação, saúde, respeito, alimentação, lazer, profissionalização, cultura…
Tudo falta para eles, inclusive, bons exemplos.