A Lava Jato incomoda a República
As gravações feitas pelo sr. Sergio Machado assustaram os mandachuvas do Patropi ao escancarar o lado sombrio e corrupto do poder “republicano” tupiniquim a tentar colocar areia na operação Lava Jato. O procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público, em entrevista ao Estadão, fez um alerta nesse sentido. Ele sabe que sem o apoio maciço da opinião pública muita coisa decente não teria acontecido no País, inclusive o impeachment. E – tão importante quanto – que a continuação desse respaldo poderoso é a garantia de a Lava Jato seguir em frente expondo as vísceras da roubalheira ampla, geral e irrestrita que tomou conta do País.
Afinal, esse tipo de reação do último andar do poder comprometido apenas com o próprio umbigo não surpreende. Foram décadas e mais décadas de impunidade. A rigor, chegou mesmo a comemorar um século de compromisso com o próprio bolso e descaso pelo bem comum. Se o leitor, ou a leitora, pensa que estou exagerando, basta lembrar o discurso de Rui Barbosa, proferido no senado da república, em 1915. Já naquela época, ele afirmava que o Parlamento do Império era uma escola de estadistas ao passo que o congresso da república tinha se tornado um balcão de negócios. E ele falava com a autoridade de testemunha ocular, que sentiu na pele a queda brutal da qualidade do homem público brasileiro na passagem da monarquia para a república. Foi ministro do Império e da república. Conhecia bem o que era e o que passou a ser.
A Lava Jato nos oferece, entretanto, uma oportunidade interessante de ilustrar a principal fragilidade do presidencialismo à brasileira, coisa muito diferente do caso americano. O excesso de poder (verbas!) concentrado no executivo induz o parlamentar brasileiro a não exercer para valer sua função de fiscal do poder. Ou seja, dos atos de governo. (Ou desgoverno, como no caso de Dilma.) Pouco tempo é gasto escrutinando o que está sendo feito com o dinheiro público no dia a dia do governo.
A ordem do dia é gerar leis e mais leis, dando-se pouca atenção ao cumprimento delas. Se tivéssemos um congresso realmente comprometido com o interesse público, ele estaria vigilante, em especial, quanto à devida utilização dos dinheiros públicos. Mais que isso: teria se preocupado em passar uma lei semelhante à que existe, há mais de um século, nos EUA, em relação às obras públicas. Lá, uma obra pública, em especial as de maior vulto, é acompanhada de um seguro. Ou seja, contrata-se outra empresa – uma seguradora – que não tenha ligação alguma com a que está executando a obra, para fiscalizar o acompanhamento dos trabalhos. Bem diferente, por exemplo, do que ocorreu com a ciclovia que desabou na Av. Niemeyer, no Rio de Janeiro: a empresa que executava a obra era a mesma encarregada de fiscalizá-la!
Mas a formulação dessa lei inclui, argutamente, uma cláusula conhecida como performance bond, uma garantia de bom desempenho da contratada. A seguradora vela tanto pelo cumprimento do orçamento aprovado como pelo seu término dentro do prazo previsto. A seguradora ainda receberá um prêmio se a obra for concluída antes do prazo ou conseguir gastar menos do que o previsto.
Valendo-se dos mecanismos de mercado, a lei cria um saudável conflito entre a empresa responsável pela obra e a seguradora. Esta aperta o cito e o ritmo da obra para ganhar mais, forçando a empresa vencedora da licitação a economizar tempo e recursos públicos. Não é preciso muita imaginação para imaginar os valores astronômicos que teriam sido poupados, caso essa lei tivesse sido implementada no governo FHC, como foi então proposto. Em caso de dúvida, basta lembrar as muitas indenizações recebidas por usuários de serviços telefônicos após a privatização, coisa inimaginável nos tempos das TELERJs. De mais a mais, a Lava Jato é coisa para ser feita sempre, como o-corre nos regimes parlamentaristas, com sua ênfase na fiscalização do governo.
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