‘A Lenda de Candyman’ revê monstro e investiga violência contra corpos negros

28/08/2021 08:00
Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão / Estadão

A diretora Nia DaCosta e os atores Yahya Abdul-Mateen II, Teyonah Parris e Colman Domingo podem ter feito uma refilmagem de O Mistério de Candyman (1992), de Bernard Rose, em A Lenda de Candyman, em cartaz no cinema. Mas não há quem os convença a dizer “Candyman” cinco vezes na frente do espelho, o que basta para chamar o espírito assassino. “Tem uma fala no filme que pessoas negras não deveriam evocar certas coisas”, disse Domingo em entrevista com a participação do Estadão. “Porque nós já estamos sob sofrimento e trauma apenas de viver nossos cotidianos neste mundo”, completou o ator de Fear the Walking Dead e A Voz Suprema do Blues.

E é de trauma que trata A Lenda de Candyman – não por acaso, a tagline do filme é “Diga meu nome”, que foi a frase usada para amplificar o assassinato da jovem Breonna Taylor por policiais que invadiram sua casa. No original, o monstro (interpretado por Tony Todd) era produto da violência contra os homens negros. Aqui, essa narrativa é ainda mais destacada, com a história de Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II, vencedor do Emmy por Watchmen), um artista que mora em um bairro gentrificado de Chicago com a namorada, a curadora Brianna Cartwright (Teyonah Parris, de WandaVision). Empacado na carreira, ele resolve pesquisar a lenda de Candyman na comunidade de Cabrini-Green, um bairro negro cujos moradores foram sendo forçados a abandonar. O único que ficou é William Burke (Domingo). É um lugar cheio de fantasmas, portanto, e não apenas porque Candyman costumava agir por ali.

O passado vive no presente, seja nas estruturas abandonadas, no trauma intergeracional que assombra aqueles vivendo hoje ou nas repercussões da escravidão, das leis de segregação e das violências que afetam as pessoas negras sob a forma de racismo de múltiplas faces. “Infelizmente, a história por trás de A Lenda de Candyman é repetida por gerações e ainda acontece”, disse Teyonah Parris. “Estamos aqui 30 anos depois do filme original, e ele continua relevante. Por isso, reimaginamos essa história para falar de brutalidade policial contra corpos negros, trauma, cura, como lidar com o trauma geracional – coisas de que nem temos conhecimento, porque aconteceram com nossos ancestrais, mas que estão em nosso DNA, no nosso sangue, na história.”

Por isso, Colman Domingo não precisou de pesquisa. “Sou um homem negro nos Estados Unidos. Só pensei em como o trauma contra corpos negros afeta sua psique. Então, não precisei ir muito longe.” Abdul-Mateen II contou até ter feito leituras, visto filmes, mas isso não é o mais importante. “A pesquisa não é muito distante da minha vida”, afirmou. “Minha própria experiência é a de ser um homem negro nos Estados Unidos vivendo com seus medos e traumas, informou o personagem. Essas histórias são passadas por meio das gerações. É como se Anthony vergasse sob o peso de uma história inevitável. É uma figura trágica com destino inescapável.”

Para o ator, é essencial que os próprios negros tomem o controle das narrativas sobre essas feridas e essas coisas que aconteceram e acontecem para quem é negro. “No original, Candyman era um medo real. Aqui, os significados da resposta para a pergunta ‘e se Candyman fosse real?’ são completamente diferentes.”

A diretora Nia DaCosta, que só fez um longa antes (Passando dos Limites), mas já foi escalada para o filme de super-herói The Marvels, foi escolhida a dedo por Jordan Peele, que é produtor e roteirista de A Lenda de Candyman, dividindo o crédito com a cineasta e Win Rosenfeld. “Só depois de aceitar o trabalho fui me dar conta que ia ter de lidar com as expectativas de fãs do filme original e do cânone de Jordan Peele”, disse Dacosta.

Peele é o grande responsável por transformar o terror em veículo potente para examinar o racismo e a injustiça racial, muitas vezes visando a educação e tentando chamar a atenção da audiência branca. Para Colman Domingo, o gênero é perfeito, porque pessoas não brancas vivem esse terror todos os dias. “Qualquer minoria sente isso. Então, é um gênero muito sedutor. É alegoria, é metáfora.”

Nia DaCosta não hesita em afirmar, por isso, que Candyman é com certeza um monstro. Mas também tem algo de anti-herói. “Ele mostra como transformamos pessoas em ídolos e mártires, em vez de seres humanos de verdade. Queríamos desconstruir quem decide que ele é um monstro, quem lhe deu esse nome e como chegou até ali.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Últimas