A leopardinha que derrete corações

05/02/2021 07:00
Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão / Estadão

Até Dereck e Beverly Joubert, dois dos maiores fotógrafos e exploradores da vida selvagem no mundo, precisam de sorte de vez em quando, mesmo com 30 anos de experiência acumulada. O casal, especialista em grandes felinos e rinocerontes, tinha decidido fazer um novo filme sobre leopardos quando conheceu a pequena Toto, nascida sob o deck de um dos acampamentos dos Joubert. “Ela era perfeita para ser uma futura embaixadora para os leopardos”, disse Beverly em entrevista ao Estadão por videoconferência. Assim nasceu o documentário Conto do Leopardo: Olhos de Jade, a ser exibido neste sábado, 6, às 18h45, no National Geographic.

Durante três anos, eles acompanharam a leopardinha com raros olhos cor de jade. Não foi fácil. “Nós passamos grande parte das nossas carreiras acompanhando leões”, disse Dereck. Os reis da savana são mais fáceis de achar, porque se agrupam e ficam deitados em paisagens abertas. E são mais tranquilos de seguir, também. “Mas achar um único leopardo, que se move muito rapidamente pela floresta e tem uma pelagem feita para se misturar com os arredores, é um outro tipo de desafio”, disse o explorador. “Toda vez que troco de leões para leopardos, me sinto lento demais. Preciso de um tempo para me ajustar.” Daí a sorte de ter Toto praticamente caindo no colo.

Os dois estão acostumados aos desafios de seus trabalhos. Eles precisam ser fisicamente fortes, como atletas, para aguentar as longas jornadas carregando equipamentos pesados. A alimentação também precisa ser adequada, para não dar aquele sono depois do almoço. Normalmente, os dias começam às 4h15 da manhã, para pegar a luz boa para suas imagens extraordinárias. E seguem até à noite. Não raramente, eles filmam os bichos com visão noturna. São 16 horas ou mais durante meses a fio. Mas o físico não é o principal. “Normalmente, os desafios emocionais são mais difíceis. Nós nos conectamos com os animais. Se algo acontece a eles, é como se perdêssemos um ente querido”, contou Beverly.

Tudo isso vale a pena porque a dupla vê a carreira como uma missão – que também é uma paixão. “Desde o início, queríamos ser a voz desses problemas que estão acontecendo na África”, disse Beverly. “Queremos ajudar as comunidades a serem ambientalistas, a se beneficiarem da vida selvagem, seja com o turismo sustentável ou o monitoramento de rinocerontes”, completou.

É uma corrida contra o tempo. Quando os dois nasceram, na década de 1950, existiam 700 mil leopardos. Hoje, são cerca de 50 mil. Os leões somavam 450 mil. Agora, menos de 20 mil. Os guepardos caíram para 6 mil. As razões são várias. Segundo Dereck, cerca de 25% do declínio dos grandes felinos é por conta da caça, especialmente aquela para obtenção de troféus. Outros 25% são para fornecimento de ossos, esqueletos, dentes e garras para fazer remédios da chamada medicina tradicional asiática. Mais 25% são da perda de hábitat, porque as comunidades de baixa renda não têm recursos nem informação para usar a terra de maneira sustentável. E os últimos 25% são originários dos conflitos entre gado e predadores. Há cerca de 1 bilhão de cabeças na África Oriental. E elas se movimentam por territórios de grandes predadores, como leões, leopardos e guepardos.

“Precisamos educar as pessoas”, disse o cinegrafista.

Mobilização. Dereck escreveu uma carta ao novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sobre a preservação de espécies. “Eu disse a ele que, em seu mandato, muitas vão ser extintas. E vai ser sob a tutela dele. E sob a nossa tutela. Precisamos agir rápido para impedir que esses animais desapareçam”, afirmou.

Tanto ele quanto Beverly têm esperança. “Os governos podem impedir a entrada de troféus de caça, por exemplo”, disse ela. Dereck acredita na mudança de cabeça dos jovens. “Sempre teremos uma parcela que acredita que a natureza serve para seu entretenimento, para usar e destruir”, disse. “São as mesmas pessoas que invadem o Capitólio nos EUA.”

Ele se lembra de ter ido à casa de uma pessoa que tinha escondido enormes presas de elefante. “Por que elas estavam atrás da porta?”, perguntou Dereck. A resposta foi que, se fossem exibidas, sua filha jamais falaria com ele novamente. “Então a chave são as crianças, que convencerão seus pais”, afirmou. Uma leopardinha chamada Toto é parte desse esforço de derreter corações e alimentar mentes em prol da conservação do meio ambiente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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