A memória do Py
Quando a Arte carrega consigo as marcas do tempo, o presente não se distância do passado, vive-se o agora nutrido por lembranças. Mesmo que o futuro seja daqui a pouco, ele não se desvencilha do já vivido. A memória não é apenas um espelho retrovisor. Nela, há também o itinerário do lugar a que se pretende chegar. Como seguir sem saber para onde ir?
A amnésia histórica é um problema social, provocado pela ausência de uma política de arquivo público. Os nossos passos por este planeta podem ser registrados por meio da arte e das ações que realizamos. Como caminhar sem deixar pegadas?
Como um país pode evoluir sem herança cultural? A preservação da memória é responsabilidade de todos. Há um momento em que o patrimônio cultural que produzimos alcança um estágio de interesse coletivo, principalmente no campo das artes. A música, o livro, a pintura levam a assinatura dos autores. Mas, quando uma obra reflete o pensamento de um povo, consequentemente, é assimilada e passa a fazer parte da identidade popular.
Em 13/06, tive a grata oportunidade de ter em mãos um exemplar da 1ª edição do livro “Macunaíma” de Mário de Andrade, um clássico da Literatura. Quem propiciou essa oportunidade foi o amigo Fernando Antônio Py de Mello e Silva. Estive no seu universo-biblioteca, com o intuito de parabenizá-lo pelo 83º aniversário, comemorado na data citada. Ele é mais um Antônio brasileiro dedicado às letras. Fui até a sua residência em companhia do poeta Sylvio Adalberto, logo depois, chegou o sonetista Roberto Gullino. Nos primeiros minutos de prosa, os dois ressaltavam a memória do aniversariante, por saber a posição de cada livro da sua biblioteca. São mais de 8.700 volumes, cuidadosamente catalogados. Após o comentário deles, o Py citou a linha de frente de 1944 do Bonsucesso, um time carioca. Depois, perguntou-nos: – que importância tem eu saber isso?!…
E ainda, sem perder o humor, citou as distâncias entre vários planetas. Mais uma vez, levou-nos a refletir: – não sei por que tenho isso na memória…
Ilustre amigo Fernando Py, basta ler o livro de sua autoria “Bibliografia Comentada de Carlos Drummond de Andrade (1918-1930) ” para enxergar a sua dedicação à pesquisa e entender a importância da preservação da memória.
Na introdução do livro mencionado, imprescindível para quem estuda a obra de Drummond, você escreveu: “não fosse termos tido acesso a seus arquivos, jamais teríamos sequer iniciado o trabalho. Conservamos, como precioso documento, uma grande lista autógrafa de suas colaborações em periódicos brasileiros e estrangeiros, bem como pequenos bilhetes explicativos de dúvidas e esclarecedores quanto a essa ou aquela publicação”.
Até o momento, são mais de 9.200 artigos do Fernando Py publicados. No seu acervo, há centenas de livros com dedicatórias a ele. Isso só reitera a importância do trabalho dele para a Literatura. Ter na estante um “Grande Sertão: Veredas” com o autógrafo do Guimarães Rosa é um privilégio.
Fernando Py traduziu vários autores, entre eles: Proust, Edgar Wallace, Isaac Asimov, Marguerite Duras, Balzac, Alexandre Dumas. Da sua lavra, cito algumas obras: Vozes do Corpo, “Antiuniverso”, “Sentimento da Morte & Poemas Anteriores”, “Confissão Geral”, “Jornalismo Literário”…
Ilustre Py, as letras que nos unem são as mesmas que rogam por uma política de preservação da memória de um povo. É uma ação cívica esta união de forças para manter em Petrópolis o seu universo-biblioteca. “Vamos de mãos dadas”, como sugeriu Drummond. Não permaneceremos taciturnos, nutrimos a esperança.