‘A minha preocupação é ser lido’, diz Jeferson Tenório

14/out 08:00
Por Julia Queiroz / Estadão

Jeferson Tenório aparenta tranquilidade surpreendente para alguém que teve o nome alçado ao debate público da forma como ocorreu com ele. O escritor de 47 anos já havia publicado dois romances bem recebidos antes de vencer o Prêmio Jabuti, em 2021, pelo livro O Avesso da Pele. No início deste ano, no entanto, o livro foi recolhido de escolas do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Goiás por supostas “expressões impróprias”.

Depois de uma ação da editora Companhia das Letras, a Justiça ordenou a volta do livro às salas e bibliotecas. E um parecer do Ministério da Educação (MEC) considerou que o livro não faz “apologia ao uso de drogas, à violência contra a mulher, ao uso de expressões vulgares e sexuais”.

Tenório lança este mês De Onde Eles Vêm, cujo personagem, Joaquim, é um dos primeiros negros a entrar na universidade pública pelo sistema de cotas raciais, em meados dos anos 2000, uma experiência vivida pelo próprio autor.

Como surgiu a ideia para o novo livro?

A partir da publicação de O Avesso da Pele, em 2020. A ideia era contar esse período que eu considero histórico: a entrada de pessoas negras na universidade. Foi uma revolução silenciosa na sociedade, de modo geral. Queria pegar o início da implantação das cotas para mostrar o avanço e, ao mesmo tempo, as dificuldades desses estudantes permanecerem na universidade. De Onde Eles Vêm é esse percurso da entrada, mas também da luta pela permanência na universidade.

Quanto de sua experiência está refletida no livro?

Acho que é impossível escrever um livro sem material biográfico, mas a minha trajetória foi diferente. Eu sou aluno cotista, mas já estava na universidade quando fiz o vestibular. Fiz o vestibular várias vezes, trocando de curso. E, no caso do Joaquim, ele é esse rapaz da periferia que entra na universidade. Ele já é um leitor. No meu caso, era diferente, eu não era um leitor ainda.

O Avesso da Pele fez seu nome ser reconhecido nacionalmente. Isso te afetou de alguma forma quando produziu este novo livro?

Como eu tenho um projeto literário bastante consciente do que eu quero fazer, não me senti pressionado. O meu compromisso é com o leitor, de oferecer o melhor que posso em termos de qualidade estética. A minha preocupação é ser lido. E ser lido justamente por pessoas que talvez nunca tenham lido um livro inteiro antes.

Qual você acha que vai ser a principal diferença que os leitores do novo livro vão sentir com relação aos seus trabalhos anteriores?

De Onde Eles Vêm, diferentemente dos meus outros, não é um livro que traz uma redenção final. É um livro agridoce. Talvez seja o livro mais realista que fiz nos últimos anos.

Os personagens são muito tridimensionais. Como é para você construir isso?

O curioso é isso: esses personagens são uma mistura das pessoas que eu conheço, com quem eu convivi, do que eu li, do que eu já observei e de histórias próximas do que eu já escrevi, mas quanto mais eu tentava escrever o real, mais inverossímil ficava. Então, nesse momento, eu precisava me afastar e aí de fato entrar com a criação. Imaginar de fato esses personagens. E aí eu conseguia esse efeito – eu tentei chegar a esse efeito de real, de realidade. Mas é sempre esse processo de olhar para a realidade e depois ficcionalizar em cima.

As vendas de O Avesso da Pele cresceram após os episódios de censura.

Sabemos que tudo aquilo que é censurado acaba causando curiosidade. Mas, veja, não foi só o aumento das vendas. Houve também uma defesa não só do meu livro, mas uma defesa do livro, uma defesa da cultura, do conhecimento.

Tudo isso te afetou do ponto de vista emocional?

Emocionalmente não. Me causou primeiro um espanto e depois uma certa preocupação de o livro ser, de fato, recolhido e de que não pudesse ser lido nas escolas. É uma certa angústia, mas não medo. Embora a gente sofra ataques, eu acho que as instituições democráticas estão funcionando bem.

Pensa em abordar a censura em um próximo livro?

Para mim, as coisas funcionam de maneira um pouco mais lenta. Por exemplo, saíram muitos livros sobre a pandemia. Já tem quase cinco anos e eu ainda não me sinto preparado para escrever sobre pandemia. Com a censura, é a mesma coisa. Eu acho que preciso de um tempo ainda para depois voltar, fazer uma análise e talvez escrever sobre isso.

De Onde Eles Vêm trata também do poder dos livros e da literatura. Isso é algo que aparece nos seus outros romances. É um reflexo do que a literatura fez por você?

A literatura fez muito por mim e continua fazendo. Tudo que eu me tornei foi graças aos livros e à literatura. Talvez todos os livros que eu escreverei ainda farão essa homenagem aos livros. No caso do De Onde Eles Vêm, obviamente, é um livro que está falando dessas pessoas que entraram na universidade, da origem dos professores, mas também, sobretudo, sobre a origem da criação. De Onde Eles Vêm é também de onde vêm a criação, a poesia, os versos. É o questionamento que o Joaquim faz quando ele está produzindo o primeiro poema dele: de onde vem a criação, como é que ela acontece. É um questionamento estético na verdade, não apenas um questionamento político.

Você também sentia essa ‘angústia’ quando começou a escrever?

Não. Acho que eu acabei criando um personagem que eu gostaria de ter sido, porque o Joaquim é muito consciente já de muitas coisas. Quando eu comecei a escrever, eu não era nada consciente, tanto politicamente, racialmente e esteticamente. Eu só queria escrever.

O que você mais aprendeu de lá para cá?

Aprendi a ter mais paciência, consegui gostar mais da lentidão da escrita. Aprendi a não ter tanta pressa para terminar e entender o tempo do livro, o tempo da literatura, o tempo que ela demora. O que as pessoas chamam de bloqueio criativo, costumo pensar que é o tempo que o texto está pedindo. Se você não está conseguindo criar, é porque precisa fazer outra coisa.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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