A Pantomima política (e Lulesca) no Patropi
Fui ao dicionário verificar se a palavra pantomima se adequava ao título deste artigo. Entre os sinônimos estavam os seguintes: engodo, tapeação, embuste, farsa, intrujice e logro. Convenci-me do acerto da palavra escolhida.
Nos meus dois artigos anteriores, teci comentários sobre o desastrado presidencialismo latino-americano e a nefasta presença dos militares na seara política de nossa região. E ainda mencionei mais sete questões de fundo, sempre jogadas sob o tapete como lixo indesejado. São elas, resumidamente: o voto distrital puro; a revogação de mandatos (recall); corrupção sistêmica; o número excessivo de partidos; educação pública de qualidade; o bônus por desempenho (performance bond) nas obras públicas; e a aguda desconfiança popular nos poderes e instituições.
Iniciemos com uma das últimas do Lula. Em vídeo, ele se dispôs a ensinar ao presidente Bolsonaro a comer camarão, alegando que ele não precisava contratar um caríssimo expert estrangeiro para tal. Sem entrar no mérito da questão, se é que tem algum, o fato, além da absoluta irrelevância, dá bem a medida do nível em que a futura campanha presidencial deverá se desenrolar.
Entretanto, quando Lula resolve sair do nível da politicalha, e entrar em críticas de alguma relevância, ele nos abre a oportunidade de escancarar como a política no Patropi tropeça nas próprias pernas. E nos leva de roldão, tentando nos enganar sobre a sinuca de bico em que estamos envolvidos em função das regras do jogo estabelecidas pelo presidencialismo onipresente.
Eu me refiro à declaração dele no seminário do PT por videoconferência, Resistência, Trabalho e Esperança, em 31/01/2022. Ele afirma: “Porque nunca, desde a proclamação da república, a gente sabe de algum momento da história em que um presidente esteve tão subserviente, tão submisso ao Congresso Nacional, […] com os partidos que lhe sustentam”, como nos relata a Folha de SP, de 01/02/2022.
Dani Rodrik, em seu celebrado livro, de 2011, “The Globalization Paradox – Democracy and the Future of the World Economy” (O Paradoxo da Globalização – Democracia e o Futuro da Economia Mundial, em tradução livre) nos ajuda a fundamentar a crítica que farei à “pérola” lulista do parágrafo anterior. Rodrik nos alerta para o fato de que “é preciso descartar a ideia de que mercados funcionam melhor quando entregues a seu bel talante”. Ele nos relembra da definição concisa de Douglas North, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1993, de que as instituições fornecem as regras do jogo para o bom (ou mau) funcionamento dos mercados, como elas são estabelecidas e a que interesses elas servem.
Ao nos falar sobre o comércio entre nações e dos pilares que sustentam os mercados e as economias, Rodrik nos diz que para tal “é preciso investir em infraestrutura para seu florescimento – transporte, logística, comunicações, clima de confiança, legislação e ordem, garantia de execução dos contratos – antes que o comércio possa ocorrer em bases regulares e seguras”. Sua listagem de requisitos nos fornece um triste resumo de nossas mazelas e as razões basilares da marcha lenta da economia brasileira há décadas.
Que lições podemos tirar dessas colocações de Dani Rodrik em relação a Lula, ao PT e a seres assemelhados?
Imagine, caro(a) leitor(a), que você contemple, por um momento, a cena e a declaração de Lula com os olhos de um político europeu, de boa memória sobre o Brasil, habituado às práticas parlamentaristas, que foram as nossas, em boa medida, até 1889. A reação inicial é que tudo se passa no clima de um legítimo samba do crioulo doido focado no non sense da política nacional.
Ao afirmar que nunca um presidente foi tão submisso ao Congresso, Lula nos faz um convite à nossa amnésia histórica sobre como ele “resolveu” essa questão lançando mão do mensalão. E também que olvidemos o petrolão, o ápice da corrupção sistêmica implantada por ele e pelo PT.
Estamos tão habituados aos padrões políticos (se é que existem…) a que o País está submetido que não nos damos conta de seus absurdos. Na verdade, essa história de submissão de Bolsonaro ao Congresso não é só dele. Em maior ou menor grau, foi uma sina que acompanhou todos os presidentes desde a redemocratização em 1985, e mesmo antes. FHC, com toda sua habilidade, não conseguiu levar adiante as reformas tributária, trabalhista e administrativa.
Em todos os países do mundo onde vigora o parlamentarismo, um gabinete (governo) só se estabelece se construir uma base parlamentar de apoio antes de tomar posse. O problema é resolvido a priori, e não a posteriri como no regime presidencialista latino-americano. Não existe o choque entre o chefe do Executivo e o Parlamento para saber quem manda. Quando esses dois atores não se entendem, o governo cai com o voto de desconfiança. Simples assim. Até 1889, a Terra Brasilis tinha a cabeça no lugar e funcionava assim.
Essa brutal distorção se dá em dois níveis. A primeira é o conflito mal resolvido entre o poder executivo e o Parlamento. O segundo é que a vontade popular, na ausência do voto distrital, não tem como se manifestar no distrito eleitoral a que o parlamentar teria que comparecer todo mês para prestar contas de seus atos. E foi assim que o Fundo Eleitoral foi aprovado, quase dobrando seu valor, para quase seis bilhões de reais. Ou será que alguém acredita que o parlamentar seria autorizado a votar a favor dessa excrescência se fosse consultar seus eleitores em seu distrito eleitoral?
A raiz da profunda desilusão popular com os governos, aqui e praticamente toda América Latina, é que o cidadão não tem, no dia a dia, os instrumentos de controle para manter seu representante sob rédeas curtas. No Patropi, a coisa chegou de se propor federações de partidos tamanha é a barafunda ideológica dos partidos, que têm dono, e acabam centrados em interesses de grupelhos. É evidente a necessidade de uma profunda reforma política para definir regras saudáveis do jogo. Nesse Clube do Bolinha, quem não entra é o interesse público. Tarda a hora de se dar um Basta!