A piada russa e a nossa

08/06/2019 08:32

Tive a oportunidade de ler a intrigante entrevista do senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), dada ao Estadão, em 04.06.2019, sobre o atual sistema político brasileiro. Ele não poderia ter sido mais enfático: “O sistema não serve mais, é crise após crise. Está torto e falido”. Ele faz a defesa do parlamentarismo nas linhas propostas pelo seu colega de partido por São Paulo, José Serra, mas disse, com razão, ser inoportuna uma discussão mais aprofundada nesse momento “porque seria considerada golpe, ilegítima e irracional”. Ele ainda se referiu ao fato de que “essas questões de um mau governo ou de um desgoverno levam à crise institucional”. Foi também uma entrevista sincera, de coração aberto, em que fica evidente sua disposição de colaborar com o governo Bolsonaro para dar certo. Mas vamos por partes, como diria o esquartejador.

A rigor, o que se constata hoje é o ponto culminante de uma profecia, de mais de três décadas atrás, feita por Ulysses Guimarães a quem reclamasse com ele da má qualidade do congresso brasileiro naqueles tempos: “Então, espere o próximo!” Ele acertou na mosca em matéria de piora progressiva de nossa vida parlamentar. É fato que as eleições de 2018 ensejaram, contrariamente ao que dissera o autor da profecia, uma renovação positiva, mas não uma mudança da água para o vinho. O uso do cachimbo deixou a boca torta (e ainda gulosa) de boa parte dos parlamentares. O próprio Tasso Jereissati reconhece que existe uma grande má vontade com o governo no senado e na câmara federal a ser revertida.

O desabafo do senador Jereissati pode ter o sabor de que os problemas surgiram nas últimas três décadas após a entrada em vigor da constituição de 1988. Nesta, ele está no mesmo barco do falecido senador Roberto Campos com a diferença de que este previra o desastre com 30 anos de antecedência. Foi com a precisão do bisturi de um neurocirurgião que Roberto Campos enumerou as falhas fatais dos capítulos referentes à ordem econômica e política da Carta de 1988. E não deu outra: além de marcar passo na economia, o Brasil conviveu com uma montanha-russa política. Sarney, Collor, Lula e Dilma nos deixaram amargas lembranças a ponto de contabilizarmos dois impeachments em curto período de nossa história republicana.

Mas não pense, caro leitor, que o período anterior a 1988 foi muito diferente. Desde 1889, foram 12 estados de sítio, 17 atos institucionais,  6 dissoluções arbitrárias do Congresso, 19 rebeliões militares, duas renúncias presidenciais, 2 presidentes impedidos de tomar posse, 4 presidentes depostos, 7 constituições diferentes, 2 longos períodos ditatoriais (Vargas e 64), 9 governos autoritários e um sem-número  de cassações, banimentos, exílios, intervenções nos sindicatos e universidades, censuras à imprensa, prisões, torturas e assassinatos políticos. Como se pode constatar, existe um clima parecido entre o ante e o pós-1988 quando avaliamos este pelas falhas do sistema político e a anemia da economia.

Curiosíssimo em tudo isso foi o Brasil ter chegado a 1889 com plena liberdade de imprensa, com moeda estável, com voto distrital puro, com um regime parlamentarista a ser aperfeiçoado, mas já capaz de pôr fim rápido a maus governos, com dívida externa consolidada renegociada a juros de 4% ao ano (!), com homens públicos respeitados pela população, com dois partidos, o Liberal e o Conservador – que tinham programas, votavam de acordo com eles em plenário e acompanhavam religiosamente a execução do orçamento público –, que era respeitado internacionalmente, e que vinha obtendo êxito em seu processo de industrialização. Nada mal para uma obra, até então, de descendentes de portugueses, negros e índios. Parece – e é – o negativo da foto que contemplamos hoje. 

Nos estertores do comunismo na Rússia, a piada que circulava em Moscou era a seguinte: “O que é o comunismo?” Resposta: “É o caminho mais longo entre o capitalismo e o… capitalismo!” E aqui entra a piada brasileira associada à russa: a república no Brasil foi o caminho mais longo entre o que já tínhamos conquistado, em boa medida, há mais de um século, e o que hoje voltamos a almejar. Até 1889, era possível lidar com as crises sem rupturas institucionais. Até quando faremos da terceirização da culpa e da perda de tempo nosso “mé-todo” de tocar o País? O problema, caro senador, perdura há 130 anos…

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