A planetização da humanidade contra o “Mega” de Trump

17/nov 08:00
Por Leonardo Boff

Nossos ancestrais (hominídios) irromperam no processo da evolução há ceca de 7-8 milhões de anos. O atual homo sapiens, portador de consciência reflexa, de inteligenciado, de capacidade de amor e de linguagem, do qual nós descendemos, surgiu apenas há 200 mil anos. Antes, por vários milhões de anos viveu na África. Lá, se elaboraram nossas estruturas antropológicas básicas que constituem nossa humanidade. Por isso, todos somos de alguma forma africanos. Depois começou a grande dispersão pela vasto mundo até ocupar todos os espaços terrestres. Agora se iniciou o grande caminho de volta para todos se encontrarem na mesma Casa Comum, o planeta Terra. Inaugurou-se nova fase da humanidade e da Terra, a fase planetária que outros chamam de globalização. Só em 1521 quando Fernão de Magalhães e seus marinheiros fizeram a circunavegação marítima, entrou na consciência coletiva de que a Terra é redonda e que podia ser alcançada de qualquer lugar. As potências da época, Portugal e Espanha, começaram a sua ocupação/invasão de Africa, de Abya Yala e de porções da Ásia. Foram os primeiros passos da planetização.

Essa planetização foi crescendo e se apresenta hoje sob muitas formas. Fala-se da globalização econômico-tiranossáurica, a globalização humano-social e a globalização ecozóico-espiritual. A predominante é a econômico-financeira que chamaria de a fase dinossáurica, pois se concretiza de forma voraz que nos faz pensar nos dinossauros, pois oprime aos seres humanos e devora a natureza. Na verdade, trata-se da ocidentalização do mundo, de seus valores como a democracia, os direitos humanos, a ciência e tecnologia e também seus defeitos como a vontade de dominação, seu espírito beligerante, seu individualismo (Serge Latouche, A ocidentalização do mundo, Vozes, 1994).

Nunca o ser humano viveu solitário. O pensador alemão Norbert Elias viu a socialidade nas “unidades de subsistência” (O processo de civilização, 1959) cuja função era garantir o grupo dos riscos existenciais e ao mesmo tempo impor controle à violência seja interna ao grupo e contra grupos externos. Convivência solidária e controle da violência estão na base de qualquer sociedade e civilização.

Estas “unidades de subsistência” se desenvolveram historicamente em cidades, metrópoles e nos dias de hoje, em megacorporações e potências com poder econômico fantástico e um poder militar com capacidade de destruir toda a vida com suas armas nucleares, químicas e biológicas. Estudiosos chegam a ver na letalidade das armas nucleares uma curiosa função civilizatória no sentido da preservação da guerra que seria final. “Sua utilidade seria no seu não-emprego”, pois evitaria a “Destruição mutuamente Assegurada” (Mutually Assured Destrucion) nas palavras de Stephen Mennel, em (Mike Featherstone (org.), Cultura global, Vozes, 1994, p.389).

A questão urgente ainda não realizada é a constituição de uma governança democrática planetária. O fato novo de todos estarem dentro da mesma Casa Comum, demanda uma instância plural de homens e mulheres, representantes de todos povos e interesses para pensarem o destino da humanidade e principalmente encontrarem soluções globais para problemas globais como o Covid-19, o atual do aquecimento crescente da Terra e a devastação da biodiversidade.

Atualmente vive-se um paradoxo: por um lado, verifica-se por todos os meios os interrelacionamentos técnicos, econômicos, políticos e culturais da planetização, a descoberta da única Casa Comum, como um dado irreversível e, por outro, a preservação das soberanias nacionais, em si obsoletas, com guerras altamente letais para garantir os limites de determinadas nações.

Não se formou a consciência coletiva que somos cidadãos planetários e que “Minha Pátria é a Terra”. Aqui reside o real perigo do mantra do Presidente Donald Trump: ”Faça a América Grande Novamente” (MEGA) ou o aforismo “America first” “a América em primeiro lugar”, mas que pensado é: ”Só a América”. Se a mais poderosa potência econômica, tecno-científica e militar se isolar e não assumir sua responsabilidade para enfrentar os graves riscos que pesam sobre a vida e a humanidade, juntos com todos os outros, poderemos ver realizadas as severas palavras ditas recentemente pelo Secretário Geral da ONU António Gutérrez: ”Ou faremos uma ação coletiva ou então conheceremos o suicídio coletivo”. Bem observou Edgar Morin, com seus 93 anos: ”Seria preciso uma escalada súbita e terrível de perigo, e a chegada de uma catástrofe para constituir o choque elétrico necessário às tomadas de consciência e de decisão” (Sociedade-mundo ou império em Política Externa, vol 1, de 2022, p. 85). Trump e o nosso Inelegível são notórios negacionistas que segundo N.Chomsky, num museu do mal “deveriam ter uma sala especial” (Como parar o relógio do Juízo Final?, Editora ICL, 2023, p.22).

No atual momento somos confrontados com esse dilema: ou fundamos uma paz perene entre todos e com a comunidade de vida ou então poderemos conhecer um holocausto nuclear, consequência do negacionismo e de nossa irresponsabilidade.

Faço minhas as palavras do astronauta Sigmund Jähn, ao regressar à Terra: “Já são ultrapassadas as fronteiras políticas, ultrapassadas também as fronteiras das nações. Somos um único povo e cada um é responsável pela manutenção do frágil equilíbrio da Terra. Somos seus guardiães e devemos cuidar de nosso futuro comum”.

**Leonardo Boff escreveu: Cuidar da Terra: como evitar o fim do mundo, Vozes, 2023.

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