O medicamento Zolgensma, considerado o mais caro do mundo e avaliado em cerca de R$ 6 milhões, será incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). O produto serve para tratar a atrofia muscular espinhal (AME), doença genética rara que compromete os movimentos musculares. O Ministério da Saúde ainda não emitiu a nota técnica, o que deve ocorrer ainda esta semana. No entanto, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que o Zolgensma será receitado só para os bebês de até 6 meses que têm AME tipo 1 e permanecem sem auxílio de métodos de ventilação invasiva por mais de 16 horas por dia.
No Brasil, estima-se 1 caso em cada 10 mil nascimentos com AME, segundo estudo publicado na National Library of Medicine. Por ora, há dois medicamentos já disponíveis no SUS, o Spinraza (ou Nusinersena) e o Risdiplam, ambos de uso contínuo. O primeiro é dado por meio de injeções na lombar a cada quatro meses. Já o segundo é uma solução oral e deve ser tomado todo dia.
“Esta é uma luta de muitos pais e de todos nós. Fico feliz em dar uma resposta tão importante. A AME é uma doença muito rara, degenerativa, que afeta o neurônio motor, responsável por gestos voluntários vitais para o corpo humano, como respirar, engolir e se mover”, escreveu o ministro Queiroga, no anúncio, utilizando ainda uma foto dele com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro (defensora da causa).
A principal diferença do Zolgensma para os demais é que ele é de dose única: o bebê toma uma só vez assim que diagnosticado e, com isso, tem prognóstico melhor. Segundo o neurologista infantil do Hospital das Clínicas de São Paulo, Ciro Matsui, isso justifica a compra do medicamento pelo SUS, apesar do preço.
“O valor do Zolgensma é o equivalente a dez anos tomando os outros medicamentos. Considerando que a expectativa de vida de uma pessoa que tomou o medicamento até os 6 meses é de cerca de 30 a 40 anos, o valor é compensado”, afirma.
Quanto antes o paciente for diagnosticado e tratado com o medicamento correto, menor a chance de sequelas graves. Além de melhora na qualidade de vida, o entendimento é de que há benefício financeiro, uma vez que há possível economia do SUS em internações. “Quadros longos de internação são comuns, em especial nos casos mais graves”, diz Matsui.
Diagnóstico Precoce
Geralmente, os primeiros sintomas de AME aparecem nos primeiros meses de vida, como foi o caso de Emanuela, de 1 ano e 2 meses, que tem AME tipo 1. “Ela começou a apresentar os sintomas aos 5 meses e levou mais algum tempo até ela receber o diagnóstico. Mesmo se o Zolgensma já estivesse disponível no SUS naquela época, ela não conseguiria ter tomado”, diz a mãe, Daniela Cristóvão Castanho.
Hoje, Emanuela tem dificuldade para ingerir líquidos e precisa de espessantes alimentares para beber água e suco. Também tem dificuldades motoras e precisa da ajuda de uma máquina para respirar à noite, enquanto dorme. São algumas das sequelas irreversíveis da doença que poderiam ter sido evitadas, se ela tivesse tido acesso ao tratamento precocemente.
Por outro lado, Hannah, hoje com 4 meses, foi diagnosticada com AME tipo 2 logo após nascer, por meio do teste do pezinho ampliado, e começou o tratamento com o Spinraza antes mesmo de surgirem os sintomas. “Ela fez recentemente um exame que mostra se houve perda de neurônios. Mostrou que ela não teve perda nenhuma, graças a Deus. Nenhuma sequela”, conta a mãe, Camila Silva Carvalho.
A incorporação do teste de AME no SUS faz parte da quinta fase de implementação do teste do pezinho ampliado no sistema público, prevista para daqui a dois anos. No entanto, a Câmara dos Deputados tem debatido a sua antecipação.
Camila conta que foi o teste do pezinho ampliado que detectou a AME em sua filha no posto de saúde próximo da casa dela, em Porto Alegre. A lei do teste do pezinho ampliado no SUS, sancionada em 2021, ampliou de 6 para 53 o número de doenças rastreadas pelo teste oferecido pelo sistema público. A norma entrou em vigor em maio deste ano, mas prevê uma ampliação escalonada dessa testagem.
O que é e tratamento
A AME é uma doença genética e neuromuscular causada pela incapacidade do corpo em produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores. Com isso, esses neurônios vão morrendo e os músculos do corpo do paciente são afetados, impedindo que ele consiga realizar gestos voluntários vitais e simples do corpo, como respirar, engolir e se mover. A doença é transmitida em um sistema de herança autossômica recessiva.
Pais e mães que têm o gene, mas não têm a doença manifestada, podem transmitir esse gene para os filhos. Essas crianças, sim, manifestam a AME. Por isso, só é possível saber a probabilidade de a criança nascer com a doença fazendo exames genéticos no pai e na mãe.
Há cinco tipos de AME, que são enumerados de 0 a 4 – de maior para a menor gravidade. Os casos mais comuns são de AME tipo 1, quando os indícios geralmente aparecem antes dos 6 meses de vida. Bebês com esse tipo da doença não desenvolvem a capacidade de se sentar sem ajuda e perdem a maior parte da movimentação ainda no primeiro ano de vida.
Os medicamentos já disponíveis no SUS fornecem a proteína que faz com que os neurônios motores das pessoas com AME deixem de morrer. Com isso, a doença é estabilizada. Já o Zolgensma é uma terapia genética que transfere os genes capazes de produzir essa proteína para as pessoas que têm AME, fazendo com que elas passem a ser capazes de produzir o material necessário para evitar a morte de mais neurônios transmissores.
Segundo Ciro Matsui, em geral os dois tipos de tratamento têm o mesmo efeito e nenhum cura completamente a doença. “Uma vez que um neurônio morre, não pode ser restituído. Por isso, não há regressão do quadro do paciente, apenas estabilização”, explica.