A sensibilidade dos animais
Quem já foi a um velório nas capelas mortuárias da Praça Oswaldo Cruz deve ter visto pelo menos um dos cachorros que ficam ao lado das pessoas que estão sendo veladas. Eles seguem todo o ritual: ficam ao lado do corpo, acompanham o funeral, assistem ao sepultamento. Fazem isso em silêncio como quem tem no peito um sentimento de tristeza. Repetem isso várias vezes ao dia. Vão e voltam como quem cumpre um dever.
Por quatro vezes, nas duas últimas semanas, estive lá. No domingo passado, um dos cachorros despertou a minha atenção: latiu para um grupo de pessoas que conversava sem se dar conta de que ali passava um funeral. Esse mesmo cachorro correu atrás de uma moto que acelerava, subindo a rua pela contramão em uma velocidade que poderia causar algum acidente. Após o sepultamento, parou perto de uma bica, bebeu uns goles d’água e desceu na frente. Fiquei um pouco no cemitério para me despedir da amiga que havia perdido a mãe. Depois, saí com a minha esposa, conversando sobre o número de pessoas conhecidas que faleceram nos últimos dias. Quando passamos em frente à funerária, identificamos, ao lado do carro preto, o cachorro já pronto para outro cortejo fúnebre. Será esse o ofício dele?
Há fatos que os olhos veem, os corações sentem, mas as explicações estão no campo metafisico, trazem consigo certo mistério. Relato aqui um caso que ocorreu há bastante tempo, mas tenho vivo na memória:
Os jovens da Pastoral de Rua tinha um carinho imenso por um senhor que foi acolhido pela obra do Padre Quinha. Tive a graça de conhecê-lo e de entrevistá-lo. Disse-me: “outra coisa que também não gosto de ver é gente judiando de bicho. Acho que sou protetor de animais. Quem maltratar um bicho na minha presença vai ter problema sério.”
Esse senhor, quando estava na rua, tratava com carinho os animais que encontrava pelo caminho. Quando faleceu, o velório foi na capela que fica dentro do cemitério. Vários cachorros o acompanharam até a sepultura. Quando o Padre Quinha fazia a última oração de despedida, antes do sepultamento, desceu um cachorro que estava no morro ao lado. Dobrou as patas da frente sobre a relva e escorregou até embaixo. Este depois da cova fechada ficou ao lado do túmulo. Nós descemos e os cachorros ficaram. Todos nós sabíamos do amor que ele tinha pelos animais.
Outro fato que também está vivo na minha lembrança, trago da minha infância: quando ia à feira com minha mãe, às vezes, eu via os cachorros latindo para um senhor que também ia fazer compras. Eu achava aquilo estranho, até os gatos ficavam com os pelos arrepiados e rangiam quando o viam. Como achava aquilo anormal, perguntei à minha mãe por que os bichos não gostavam daquele homem. Ela me respondeu: “esse moço tem muitas mortes nas costas” – também passei a ter medo dele.
No sertão, aprende-se a identificar a índole das pessoas pelas reações dos animais e das plantas. Quando um cavalo passa por uma estrada e, de repente, para, não quer mais andar, pode ter certeza, identificou algo que os nossos olhos não enxergam.
Afirmo aqui, com segurança, que, às vezes, não somos nós que adotamos os animais, eles é que nos adotam, conquistam-nos. Quando a relação de carinho é recíproca, consolida-se uma fiel amizade.
Confesso que também fui seduzido pela Condessa Clara Lara Michelin, uma cadelinha linda, que escolheu como mãe a amiga Christiane Michelin. O jeito de olhar da cadelinha seduziu essa amiga, que narrou essa relação de carinho em livro para criança, que terá até tarde de au-autógrafo. “Tum Tum” é o nome do livro.