A viagem tresloucada de Lula em direção à Dilma
A grande mídia continua a fazer das suas. Em edição recente do Jornal Nacional, a TV Globo, realizou a proeza de apresentar ao distinto público uma pesquisa de opinião sobre os dez primeiros dias de governo Lula comparados aos quatro anos de mandato de Bolsonaro. Pode?
Qualquer bom livro didático sobre teoria da amostragem não recomendaria cotejar períodos tão diferentes de tempo em relação ao desempenho de alguma variável a ser pesquisada. As distorções daí oriundas saltam aos olhos. Mesmo assim, a pesquisa foi feita e exposta aos telespectadores. Me lembra do que foi dito por um crítico sobre um suposto filme intitulado “Tarzan contra o Mundo”: “Está na cara que Tarzan venceu.” Os melhores números para Lula refletiam apenas as esperanças por melhores dias dos pesquisados. Não há base comum de comparação confiável.
A cobertura sobre o novo governo federal na televisão e nos jornais nos apresenta as “novidades” seguidas, com frequência, de comentários por parte dos analistas e colunistas de jornais de que algo idêntico já foi tentado no passado e não deu certo. Basta lembrar de um dado episódio dos tempos da ex-presidente Dilma. No afã de financiar empresários considerados campeões, o Tesouro Nacional repassava recursos ao BNDES que os reemprestava a empresas selecionadas, cobrando taxa de juros inferior àquela que o banco teria de pagar ao Tesouro após certo tempo. Maluquice? Mas aconteceu!
A recente viagem de Lula à Argentina fica com sabor de um jogo de mise-en-scene. Nada muito além de encenação do que poderia ser a política exterior do País. Tomemos os dois principais tópicos do novo relacionamento Brasil-Argentina. O primeiro seria um fundo no Banco do Brasil para garantir o pagamento, por exemplo, de importações argentinas de produtos manufatura dos brasileiros, que vêm enfrentando acirrada concorrência chinesa. O segundo seria uma moeda comum, específica para as trocas comerciais entre nós e os argentinos. Logo, não se dariam em reais ou em pesos.
Tudo isso ainda depende da montagem de grupos de trabalho para detalhar como tais propostas seriam postas em prática. A economia argentina não vai nada bem das pernas com impactos negativos óbvios à reeleição do atual presidente, cuja campanha segue capengando. É mais uma visita política para dar força à candidatura de Alberto Fernández, candidato de esquerda que interessa a Lula manter no poder.
No Brasil, os comentários de analistas de TV e da mídia impressa foram mornos assim como nos meios empresariais. O sabor é de filme velho sem final feliz. Demétrio Magnoli em sua coluna do Globo, de 23/01/2023, intitulada “A História interrompida”, nos fala de um livro que explora a convergência final que haveria entre PT e PSDB até hoje sem êxito. O livro é do jornalista João Borges: “Eles não são loucos – Os bastidores da transição presidencial FHC-Lula (Portfolio-Penguin)”. Pelo que diz Borges, Lula sempre boicotou essa união entre as duas siglas. “Lula 3”, segundo Magnoli, “não extrairá sua inspiração de Lula 1”. Para isso ficar claro, ele nos recomenda ler o livro de Borges.
O episódio dos três conhecidos economistas, Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, que declararam voto em Lula e lhe escreveram uma carta de aconselhamento, acabou tendo um desenrolar revelador. As declarações de Lula após vencer as eleições, ao que se sabe, não os deixou tranquilos justamente por ficar, cada vez mais claro, de que quem está no comando não é bem o Lula 1, mas o Lula 3, cujas afinidades dilmistas vêm ganhando peso a despeito do impeachment, que Lula insiste em chamar de golpe, uma mentira.
Ainda na Argentina, Lula participou da Cúpula de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – CELAC, que reúne 32 países, entre eles as ditaduras cubana e venezuelana. Segundo jornalista presente, Lula criticou as tentações autoritárias fascistas da direita na região. Como Cuba e Venezuela fazem parte da CELAC, ficou no ar a sinalização de que não há problema se forem ditaduras de esquerda. Afirmou também que o BNDES voltará a financiar projetos em países vizinhos, ignorando o histórico desses projetos na região, em especial em Cuba e Venezuela, agraciados com recursos brasileiros que nos fizeram muita falta. O metrô de Belo Horizonte é um triste exemplo.
Em seguida embarcou para o Uruguai, onde se encontrou com o presidente
Luis Alberto Lacalle Pou, considerado de direita. A grande preocupação na região é que o país vem mantendo tratativas com a China para assinar um acordo de livre comércio, que é visto como séria ameaça ao Mercosul. O tratado que lhe deu vida impede que seus membros tomem, individualmente, iniciativas como a do Uruguai. Teria que ser uma iniciativa por unanimidade de seus atuais membros.
É aqui que entra em cena a atriz D. Argentina, cujo mau desempenho tem prejudicado os demais atores que compõem o Mercosul. Ela tem sido voto contrário a diversas iniciativas positivas do grupo para resguardar a fragilidade de sua própria economia, que vem se agravando ao longo de décadas. Historicamente, o Uruguai sempre soube defender seus interesses muito bem, inclusive para evitar que a paralisia argentina e o crescimento lento do Brasil se tornassem obstáculos à aceleração de seu ritmo de crescimento. Foi, então, bater na porta da China, que lhe ofereceu vantagens que o Mercosul não consegue. O poder de Lula para frear Lacalle Pou não foi nada convincente. O Uruguai vai seguir em frente. Lacalle Pou quer se livrar da trava argentina, responsável por impedir a dinamização do Mercosul.
A palavra tresloucada inserida no título deste artigo enfatiza o fato de as “soluções” que Lula nos oferece serem sempre na linha de mais governo na economia. Filme antigo já conhecido de nossos reiterados desacertos. A velha síndrome latino-americana que conseguiu a proeza de tornar a região a lanterninha em comparações internacionais de crescimento.
É ou não é muita falta de imaginação? Que tal mudar o roteiro da viagem?
Assista: “DOIS MINUTOS COM GASTÃO REIS – Cirurgia de córnea com picareta