‘Academia de política’ do MBL é aposta do grupo em busca de renovação

04/03/2021 14:01
Por Tiago Aguiar / Estadão

Perto de completar sete anos de existência e veterano de três eleições, o Movimento Brasil Livre (MBL) quer atrair novos integrantes e formar lideranças de olho no próximo pleito. Nascido do antipetismo e da defesa do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, este ano o grupo assumiu de vez o “Fora Bolsonaro” e lança a “Academia MBL”. O objetivo é preparar militantes capazes de articular políticas públicas, organizar manifestações e ampliar sua rede de influência nas mídias sociais, incluindo aulas sobre fake news e como produzir memes.

“Aquilo que o MBL aprendeu na prática se transformou em um conjunto de aulas delineado para oferecer nossa expertise em ativismo político”, diz o texto de anúncio do curso que terá início na próxima segunda, 8, com direito a aula magna do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na quarta-feira, 3.

A oferta do curso coincide com uma reestruturação interna do grupo, que, recentemente, perdeu seu primeiro representante eleito, o vereador de São Paulo Fernando Holiday (Patriota), e que, pelos próximos dois anos, não terá o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) na coordenação do movimento. Quem irá comandar o programa de formação, online e com duração de quase nove meses, é Ricardo Almeida, outro antigo coordenador nacional.

Entre as aulas já gravadas, há desde “Fundamentos de Memística”, com conteúdo prático e teórico de linguagem visual para redes sociais, até um minicurso de “Teoria Geral do Estado”, com advogados ligados ao movimento. O currículo previsto para o primeiro mês ainda envolve marketing político e lições da história do próprio MBL.

Na grade, há aulas com representantes já eleitos, como o deputado estadual por São Paulo Arthur do Val (Patriota), o próprio Kim e outros colaboradores, como Adelaide de Oliveira, que é ex-porta-voz do Vem Pra Rua e foi vice da chapa de Arthur na candidatura à Prefeitura de São Paulo. Não há vínculo com instituições de ensino superior. “Temos diálogo com pessoas que estão presentes em universidades, como o (autor) Martim Vasques da Cunha e o Luiz Felipe Pondé. Acho absolutamente vital que a Academia MBL forme pessoas que entrem e disputem espaço na academia”, diz Almeida.

Fake news

Uma das aulas da disciplina “Fundamentos de Memística e Redes Sociais” é baseada em vídeo publicado pelo jornal The New York Times no qual o ex-agente da KGB Yuri Bezmenov explica como nasceu o processo de criação de “fake news” na então União Soviética.

Mas essa parte do currículo, em especial, gera desconfiança entre especialistas. “O MBL tem referências da direita brasileira que surgiu nas últimas duas décadas e não enveredou no ‘olavismo’ (a defesa das ideais do chamado ‘guru’ do presidente Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho). É um grupo que ‘foi e voltou’, seja porque o bolsonarismo se radicalizou, seja porque de fato eles fizeram uma autocrítica”, argumenta Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab e autor do livro Novo Jogo Velhas Regras. “O ponto de atenção é quanto do curso será a valorização dos protocolos jornalísticos, respeito à liberdade de imprensa para realizar seu trabalho e o compromisso com a saúde do debate público. Claro que todo mundo fica desconfiado porque eles já usaram recursos inflamatórios e propaganda sensacionalista.”

O objetivo dessa aula é detalhar o método de “sete passos para se criar uma grande mentira”, não disseminar notícias falsas, diz Almeida: “O conhecimento técnico por definição pode ser instrumentalizado para qualquer tipo de finalidade. É impossível saber para que será utilizado. A gente vai deixar muito claro na disciplina que não é sobre isso. A comunicação nas redes sempre será colocada numa moldura ética”.

Almeida explica que a necessidade de criar o curso surgiu após o fracasso, em 2018, de uma tentativa de se aproximar do movimento estudantil universitário e secundarista: “O MBL Estudantil não deu muito certo porque eles não tinham muita experiência administrativa e política. Quem sabe depois da primeira turma ‘Academia’ a gente não possa refazer o MBL Estudantil”.

O movimento passou por uma primeira reformulação depois da eleição de Bolsonaro, que se consolida agora como uma nova ofensiva pró-impeachment por causa da pandemia. Também em 2018, o Facebook tirou do ar quase 200 páginas e perfis ligados ao MBL. Segundo a empresa, elas “escondiam das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. Já no ano seguinte, o grupo passou a rotineiramente criticar outros influenciadores bolsonaristas que emulam a linguagem que consagrou o próprio MBL nos primeiros anos de ativismo.

“Nos últimos tempos, não apenas a estratégia política, mas também a estratégia comunicacional do MBL mudou. O MBL News, que já foi um site hiperpartidário clássico, com matérias noticiosas que faziam apenas enquadramentos, hoje é menos noticioso e mais abertamente opinativo, parecendo mais um blog”, diz o professor e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado.

“A pergunta que fica sobre o curso é: ‘como essa autocrítica política se traduz em termos de práticas?'”, questiona Francisco Brito Cruz.

Formação liberal

De acordo com Almeida, a criação da academia marca também o foco em formação qualificada, mais do que só em mobilização, o que aproxima a atuação do MBL a outras experiências de renovação política, como o RenovaBR e a Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade). “Não é um curso de formação política que você pode comprar, é a nova forma de fazer parte dos diferentes ramos do MBL”, descreveu Kim Kataguiri em vídeo publicado no seu canal no YouTube no último sábado, 27.

“O RenovaBR faz formação política com sucesso, mas a diferença é que nós queremos que os formandos se integrem ao movimento”, diz Almeida. Para ele, hoje, os partidos políticos fazem muito pouco com seus recursos na formação de novas lideranças, enquanto a direita liberal faz “muito com pouco”: “De 1983 (com a fundação do Instituto Liberal no Rio de Janeiro) já se conseguiu fazer muito. Hoje temos muitos influencers, livrarias e institutos liberais no Brasil. Desde então, as principais dificuldades foram relacionadas com a escassez de empresários que investem nessa formação”.

Segundo o cientista político Christian Edward Cyril Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, essa tentativa de reposicionamento do MBL não surpreende. “Os partidos têm institutos para formação, é normal que os novos movimentos façam isso. O que é interessante é que eles são um renascimento de entusiasmo liberal”, diz Lynch. “Mas, diferentemente do ‘liberalismo tradicional’, isso faz parte de uma cultura de ‘nova direita’, que tem entre seus elementos a ridicularização do adversário, o que está fora do circuito dos grandes partidos.”

Nas contas do próprio MBL, o grupo elegeu, por diferentes partidos, 8 parlamentares em 2016, 5 em 2018 e 13 no ano passado. Em eleições majoritárias, o melhor resultado alcançado até aqui foi de Arthur do Val, 5º colocado na sucessão pela Prefeitura de São Paulo, somando 522.210 votos válidos. Grande parte da força do movimento se concentra justamente no espaço que ocupa nas mídias sociais. Só no Facebook, por exemplo, a página do MBL tem mais de 3 milhões de seguidores.

No Congresso, Kim Kataguiri tem se destacado como uma das principais vozes de oposição ao governo Bolsonaro fora da esquerda e rival do Centrão. Desde o início deste ano, foi candidato a presidente da Câmara dos Deputados e apresentou ações na Justiça para tentar frear a “PEC da Blindagem” e afastar o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem após denúncia de que a agência teria sido usada para coletar informações em benefício do clã Bolsonaro.

Com Kim como estrela, o MBL aposta que daqui a 15 anos o cenário da direita liberal “será melhor”. “Quando o (ministro da Economia) Paulo Guedes assume e não entrega, há uma crise. Porém, o liberalismo de 2015 para cá não minguou, a classe média que aderiu à direita só não tem a devida representação, se enxerga no MBL e numa ala do partido Novo, mas que deve crescer”, afirma Almeida, demonstrando certo orgulho de que sua academia já estaria recebendo “mais críticas da direita bolsonarista que da esquerda”.

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