Ações solidárias

01/10/2023 08:00
Por Ataualpa A.P. Filho

Quem inventou a ideia de “cada macaco no seu galho” desconhecia a dor da solidão, não tinha a menor noção da delícia que há no colo afetuoso que apascenta os sonhos, ou tinha a intenção de isolar os primatas, porque unidos são mais fortes, pois o amor une, o carinho aproxima, a paz fraterniza, a solidariedade não se dissocia da caridade.

Quem não quer acolher uma pessoa amada no próprio galho? Os mamíferos gostam de ser acarinhados. Desde o início da criação, já se constatara que “não é bom que o homem esteja só”. No período pandêmico, ficou evidente que o isolamento enfraquece as pessoas.

Tenho conversado com amigos e amigas sobre as sequelas que ficaram com o distanciamento social, necessário para evitar a transmissão do vírus SARS-Cov-2, causador da Covid-19. Tal vírus ganhou algumas variantes, em síntese, ainda não foi erradicado. A grande adesão ao processo de vacinação possibilitou o retorno do convívio social sem restrições. Mas ainda são registrados casos de Covid-19. Ainda precisamos ter cautela, principalmente com as pessoas que estão enquadradas no que se convencionou chamar de grupo de risco: os portadores de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, idosos, gestantes…

Só que o chamado “novo normal”, que tanto se falou no período pandêmico, veio com velhos hábitos que ainda refletem o segregacionismo. A sociedade mais humana que tanto se esperava ainda não despontou. Confesso que eu também embarquei na ideia de que, diante de tantas perdas, de tantas mortes que evidenciaram a vulnerabilidade do ser humano, teríamos uma postura melhor.

Não sou fã da distopia. Por ter a Educação como ofício, acredito em mudanças. E tais mudanças consistem no aprimoramento do ser pelo entendimento do bem comum por uma vertente solidária em que o companheirismo, o amor, o carinho, a ternura sejam referências dentro de uma convivência pacífica. Mas o fato de não possuir um pensamento distópico, não impede de ter um olhar crítico sobre a sociedade, nem de enxergar as mazelas sociais. A insegurança alimentar é visível. A fome continua ceifando vidas diariamente.

O empobrecimento em decorrência da crise econômica é um fato que não precisa de tantas estatísticas para ser constatado. Basta olhar o número de desempregados que caíram na invisibilidade do mercado informal. Basta olhar o aumento do número de pessoas que passaram a depender das doações de cestas básicas. Basta olhar as filas que crescem na frente das instituições que fornecem quentinhas gratuitamente.  Basta olhar a quantidade de pessoas em situação de rua.

A incerteza diante da obtenção do alimento para matar a própria fome cresceu, pois o custo de vida aumentou. Quem ainda não viu alguém revirando lixo no final de feira, procurando algo para comer?

Em 27/12/1947, com o título “O Bicho”, Manuel Bandeira escreveu: “Vi ontem um bicho/ na imundície do pátio/ catando comida entre os detritos./ Quando achava alguma coisa,/ não examinava nem cheirava:/ engolia com voracidade./ O bicho não era um cão,/ não era um gato,/ não era um rato./ O bicho, meu Deus, era um homem.”

Essa cena descrita por Bandeira até hoje se repete não exclusivamente em nosso País. A fome é um problema mundial. Diante desse problema tão grave, não é aceitável que “cada macaco fique só no seu galho” pela insensibilidade perante as desigualdades sociais. Mesmo quem gosta de ficar somente no seu quadrado pode estender a mão a quem mais necessita e encontra-se ao seu lado. Não devemos cruzar os braços e ficar esperando as ações governamentais. Louvo as instituições que se organizam e agem sem depender de partidos políticos. Fundamentam-se no pensamento humanista, agem com respeito à dignidade humana.

A consciência da responsabilidade social precisa ser desenvolvida para que haja autonomia. A soberania do povo precisa ser mantida para libertar-se dos cabrestos eleitorais. Por essa razão, vejo, no processo educacional, um caminho que conduz ao pensamento crítico, capaz de resgatar o comprometimento com o bem comum.

O povo faminto torna-se vulnerável, porque fica exposto às manipulações dos programas assistencialistas dos gestores públicos. Precisamos nos libertar da velha política do pão e circo (panem et circenses). Dizem por aí que “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Mas, se ficarmos juntos, de mãos dadas, o bicho foge, pois não enfrenta o povo unido.

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