Adeus, Facebook

22/02/2018 12:25

A Folha de São Paulo reagiu às mudanças no Facebook que reduziram o tráfego gerado para suas páginas em 32% nos últimos meses. Foi o primeiro veículo a anunciar o abandono da plataforma de Mark Zuckerberg. O veículo ainda informou que não irá apagar sua página, mas deixará de atualizá-la. Ela ficará lá, seja como memória póstuma de um erro estratégico, seja como alternativa para o caso de voltarem atrás.

O movimento da Folha pode ser o primeiro, mas dificilmente será o último. A verdade é que faz pouco sentido manter uma página no Facebook sem alcance orgânico quando se é um veículo que depende do tráfego gerado para seu domínio. As mudanças no Facebook fizeram com que o conteúdo criado ou compartilhado por amigos e conhecidos ganhassem mais relevância e tal conteúdo não precisa ter o próprio Facebook. Isso significa que eu posso concordar ou discordar de uma matéria, mas que vou usá-la para reforçar meu ponto de alguma formaâ??—â??e isso é a máquina que move as fakenews, já que elas funcionam em cima da necessidade das pessoas de se posicionarem, quase como badges.

Algo que deve ser mencionado, mesmo eu correndo o risco de ser chato por já ter falado isso algumas (muitas) vezes, é que a culpa disso é de marcas, veículos e produtores de conteúdo. Os mesmos que hoje sofrem com o fim do alcance orgânico. Foram eles que, ao investirem tanto dinheiro, tempo e energia no Facebook, estimularam o surgimento do desastroso hábito de se informar em um único lugar: a timeline, cujo comando pertence ao Zuck. Essa cultura matou blogs, fechou veículos e deixou todos os demais reféns do investimento em mídia (onde o custo médio subiu 36% no último ano).

Essa cultura não foi criada e nem estimulada pelo Facebook, ela surgiu naturalmenteâ??—â??não que a rede social não tenha dado seus empurrõezinhosâ??—â??e se desenvolveu com a estratégia (errada) das marcas de direcionar toda e qualquer campanha para as redes, ignorando completamente os canais proprietários. Ensinamos ao nosso target que não precisam sair do Facebook, que tudo que precisam chegará até eles lá.

Em 2015, eu escrevi um texto que publiquei no Medium e no LinkedIn. Somados os leitores, atingi mais de 1 milhão de pessoas e 93% delas vieram do Facebook. Muito bom, não é? Não, não é. Quando 93% de minha audiência está atrelada a uma plataforma que pode, a qualquer momento, decidir que meu conteúdo não deve mais circular entre seus usuários ou que eu terei que pagar para que isso aconteça, eu tenho um grande problema. Estamos falando de redes que não são exemplo de transparência quanto aos seus algoritmos e regras. Estamos falando de redes que, cada vez mais, se fecham em si mesmas buscando impedir que o usuário saia de lá para acessar outras plataformas. Estamos falando de redes que ajudamos a alimentar, a crescer, e que agora tornaram-se tão grandes que podem facilmente nos devorar.


Faz sentido a Folha abandonar essa audiência que é fruto do Facebook? Eles não vão abandonar, ainda haverá audiência. O meu artigo teve cerca de 930 mil visitas sem que tenha página no Facebook ou tenha gasto um real em mídia. As visitas foram fruto de compartilhamentos. Isso a Folha ainda pode ter, basta, como eu disse, garantir a qualidade de seu conteúdo e investir algum tempo planejando sua linha editorial para que ela possa facilitar esse processo, seja pela relevância e qualidade das notícias ou pela capacidade de serem usadas para embasar a opinião do leitor.

O que não faz sentido é a Folha e demais marcas e veículos não buscarem alternativas. É como navegar em um navio que vem sendo tomado pela água em um ritmo preocupante, tentando impedir que afunde usando um balde, esperando que amanhã seja um dia de sol intenso e o calor faça essa água evaporar. Esperar que o Facebook ajuste sua plataforma para garantir a sobrevivência é de uma ingenuidade nada saudável quando estamos falando de grandes corporações.

A Folha pode ter começado a puxar a fila. Se a fila será grande ou se o Facebook irá fazer algo para reverter um possível movimento, aí só o tempo dirá.

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