AGU decide recorrer de sentença que condenou União a indenizar delegado da PF

06/06/2022 15:12
Por Pepita Ortega e Fausto Macedo / Estadão

A Advocacia-Geral da União já prepara recurso contra decisão do juiz Cláudio Roberto Canata, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível de Bauru, que condenou a União a indenizar em R$ 66 mil o delegado de Polícia Federal Mário Renato Castanheira Fanton, que alegou ser “perseguido” pela Operação Lava Jato. O prazo para que o despacho seja questionado termina na sexta-feira, 10.

Proferida no último dia 18, a decisão de Canata magistrado entendeu que houve “evidente abuso de direito” no comportamento de autoridades que promoveram medidas disciplinares contra Fanton, as quais culminaram em ações penais contra ele. O delegado foi denunciado por supostamente vazar investigações da Operação Carne Fraca ao ex-deputado federal André Vargas, condenado na Lava Jato.

O recurso da União contra o despacho será fundamentado nos argumentos que a AGU usou na contestação da ação movida por Fanton. À Justiça, o órgão sustentou que o dano alegado pelo delegado da PF não teria origem em “qualquer atividade antijurídica da União”, além de argumentar que não foram apresentados “elementos de convicção que comprovem que o ente público tenha concorrido de forma indevida para o suposto evento gravoso”.

O processo movido por Fanton não só se insurgiu contra a União, mas também contra delegados que decidiram instaurar contra ele procedimento administrativo disciplinar sobre o suposto de vazamento na Operação Carne Fraca. O delegado afirmou que a medida se deu após a elaboração de relatório sobre a instalação do equipamento de interceptação ambiental na cela da custódia da Superintendência da PF em Curitiba, no início da Lava Jato em março de 2014.

Ao analisar o caso, Cláudio Roberto Canata alegou que o que se analisaria no caso em questão é “se houve ou não houve abuso na adoção das medidas disciplinares e criminais promovidas contra o delegado, por autoridades integrantes da Polícia Federal, a partir do momento em que ele notificou a seus superiores a ocorrência de fatos que, na condição de Delegado, entendeu deveriam ser investigados por aquele Departamento”.

“Tendo presente a premissa de se tratar de uma operação que provocou forte abalo no mundo político, envolvendo e alcançando conhecidas figuras daquele meio – e até mesmo para evitar que o conteúdo desta sentença seja utilizado de forma enviesada para fins político-partidários -, evidentemente não tecerei comentários sobre a legalidade ou a ilegalidade dos procedimentos adotados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal no bojo das investigações levadas a efeito contra os acusados daqueles crimes. Essa tarefa cabe a outros órgãos do Poder Judiciário”, afirmou.

Nessa linha, o juiz registrou no despacho que “impressiona” o número de processos administrativos e ações penais instaurados contra Fanton, “em seguida ao episódio em que foi denunciada a existência de interceptação ambiental na carceragem da Polícia Federal em Curitiba”. Segundo Canata, a acusação de vazamento de informações da “Carne Fraca” levou o delegado a ser tido como “sabotador” ou “dissidente” da Lava Jato.

Ainda de acordo com a sentença, Fanton pediu para participar dos atos processuais do processo administrativo contra ele instaurado em Curitiba por videoconferência, mas a solicitação foi indeferida sob o argumento de que “por ser um processo administrativo disciplinar revestido do mais alto grau de formalidade, os atos processuais têm que ser cercados também de muitas formalidades, que não se limitariam a uma simples transmissão de vídeo”.

No entanto, na avaliação de Canata, ao negar ao delegado o direito de participar das audiências do processo disciplinar por videoconferência, a administração pública tentou impor a Fanton, “de modo arbitrário, o ônus – financeiro e emocional – de se deslocar de Bauru, onde reside, até Curitiba, numa distância de mais de 1.000 km (ida e volta), para que pudesse participar de atos processuais”. “Pode-se afirmar que a Administração tentou impor sério entrave à participação do autor no acompanhamento dos procedimentos de apuração da falta a ele imputada”, registrou.

Na avaliação de Canata, a necessidade de Fanton, de contratar advogado para ter assegurado “um claríssimo direito de natureza constitucional” é não só, “desgastante”, mas também “despropositado”: “o mínimo que se espera é que a Administração respeite as mais básicas garantias estabelecidas na Carta Política”. Para o juiz, “não se justificava, em hipótese alguma, a recusa a realizar os autos instrutórios por sistema de videoconferência.

“Qual o motivo, então, para que essa prerrogativa não fosse estendida ao autor? Qual a razão para não se deferir a ele o mesmo tratamento dado a outros servidores do mesmo Departamento? Tudo isso faz sugerir a existência de motivos pessoais, inconfessáveis”, ressaltou o magistrado. Em sua avaliação, a situação “leva a concluir que houve quebra do princípio da impessoalidade”.

Canata ainda ressaltou que o desgaste psicológico causado a Fanton pelos fatos narrados nos autos está demonstrado por documentação médica, que indicou que o delegado “ficou incapacitado para o exercício de atividades laborais por ‘transtornos de adaptação'”. O atestado, homologado por Junta Médica Pericial do próprio Departamento de Polícia Federal, registrou que houve indicação para trabalho somente no período diurno e recolhimento de documento de porte e de armas de fogo. O delegado ainda necessitou de acompanhamento psicológico, com quadro clínico de transtorno misto de ansiedade e depressão, apresentando ainda Síndrome de Burnout.

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