Alessandro Michele estreia como diretor criativo da Valentino

05/out 09:39
Por Alice Ferraz / Estadão

Um dos movimentos mais importantes da moda atual é o reencontro com a individualidade. Com o aumento do acesso à informação, impulsionado na última década pelas mídias sociais, o conteúdo de moda das passarelas passou a ser mais acessível ao público em geral. Houve uma massificação de imagens e propostas, que passaram a ser repetidas e replicadas à exaustão, levando a uma falta de singularidade e a uma padronização de figuras.

A priori, a informação sem a intermediação da imprensa – que, antes das mídias sociais, era a única que tinha o poder de apresentar as tendências ao público final – mostrou um novo potencial de conhecimento por finalmente promover acesso sem restrições. No entanto, mais de uma década depois da entrada das mídias sociais nas coberturas de desfiles, fica clara a urgência da formação de uma identidade própria, individual, para que a moda siga cumprindo um papel identitário.

Nesse contexto, o desfile mais esperado da semana de moda de Paris, o da italiana Valentino, trouxe a resposta esperada através do trabalho de seu novo diretor criativo, Alessandro Michele. Michele pauta seu trabalho pelas singularidades do mundo e consagrou-se na moda como mestre na arte de criar imagens e histórias únicas, de caráter complexo e detalhado, mesclando referências diversas e trazendo um olhar constante para os significados que cada peça de roupa carrega. Em sua moda maximalista e exuberante, nada é trivial: cada peça – e as suas múltiplas combinações dentro de uma coleção – permite que quem as veste tenha a oportunidade real de contar também sua própria história, usando a moda como meio de comunicação. Esse é o fator determinante para explicar o “efeito Michele”, que levou uma multidão de fãs à porta do desfile da Valentino no último dia 29.

Michele chega à Valentino após uma muito bem-sucedida empreitada à frente da italiana Gucci. Na marca de raízes florentinas, foi o responsável por coleções e ações de comunicação que elevaram a marca a níveis de desejo absoluto. Sua série de êxitos inclui recordes de vendas e uma expansão significativa da presença digital da grife.

Na passarela da Valentino desta temporada, a história e a identidade da marca, criada na década de 1960 por Valentino Garavani e Giancarlo Giammetti, em Roma, estão no centro da experiência. Em uma sala com iluminação dramática, decorada por móveis cobertos por tecidos brancos e sobre um chão de espelhos que pareciam estilhaçados ao se pisar sobre eles – obra do artista Alfredo Pirri -, 85 looks foram desfilados. Cada uma das propostas trouxe, em média, combinações com mais de seis peças diferentes – entre roupas e acessórios -, em uma profusão de cores, laços, bordados, transparências, rendas, pedrarias, tricôs, alfaiataria, franjas, plumas, babados – e a lista continua. Ao mesmo tempo que a imagem da moda da grife é coesa, as possibilidades de estilo se expandem.

Os arquivos das criações do próprio Valentino, de um recorte de tempo específico, foram o ponto de partida. “São três décadas muito presentes. Vamos da metade ao final dos anos 1960, aos 70 e ao início dos 80, que acredito terem sido muito importantes para a definição estética da marca Valentino”, contou Alessandro em conversa com jornalistas logo após o desfile, que foi apresentado ao público sob o nome “Pavillon des Folies”, ou “Pavilhão dos Espetáculos”, em tradução livre. Dessa análise de Alessandro surgem peças em um vermelho vibrante – a cor icônica de Valentino -, estampas de poá em preto e branco, babados e uma série de outras referências. Todos elementos que fazem parte de uma época em que, segundo o diretor criativo, Valentino Garavani “mudou a moda na Itália, com referências francesas muito fortes, mas tudo com muita leveza e delicadeza”.

Ao mix de referências agregam-se os acessórios, elementos muito importantes no léxico fashion de Michele, que nesta temporada transitam entre diferentes estilos e eras. Os chapéus vieram maximizados, com abas mais longas na parte de trás, como os de Valentino na década de 1970. Dos arquivos da marca surgiram também os turbantes e os colares de pérola, em um arsenal de acessórios que inclui meias de renda, bolsas – usadas em dupla -, uma série de óculos de sol com pingentes, broches surrealistas, acessórios de rosto e gorros de tricô ornamentados.

Outro grande pilar da nova coleção está nos tecidos vaporosos e transparentes que cobrem o corpo com camadas diáfanas de cores e padronagens. “No meu primeiro dia na marca, passei a tarde toda no arquivo”, conta Michele, “e fiquei encantado ao ver como suas criações, principalmente seus vestidos, eram impalpáveis. É uma ideia muito fascinante; até mesmo as peças com mais presença física são muito leves em suas formas.”

De forma geral, a coleção se alterna entre leveza e materialidade, esta última representada pelos modelos extremamente trabalhados com bordados, adornos e cores fortes, uma referência aos anos 80 da marca e “seus códigos para exaltar o poder feminino”, nas palavras de Alessandro. Tudo embalado por um olhar muito próprio do diretor, que agregou ao mix pensamentos sobre a essência da beleza e sobre a nossa atual relação com o tempo. A própria ambientação do desfile sugeria uma suspensão no fluxo temporal. Para o diretor, existe no mundo atual uma “falta de tempo para pensar e criar com qualidade”. “Não temos como seguir nesse movimento.”

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