Alguma coisa está fora da ordem

25/08/2017 12:00

 A violência instalada no Rio de Janeiro representa muito mais do que os números conseguem mostrar. A consequência de uma política de segurança pública absolutamente ineficiente e que reproduz a lógica de guerra, traz também consigo as consequências comuns dos conflitos armados que se espalham pelo mundo: os traumas e danos psicológicos para além das marcas físicas.

De acordo com estudos do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, hoje no Rio há mais de 550 mil pessoas sofrendo de estresse pós-traumático, sendo que 97,6% dos casos de Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) não são identificados em exames clínicos convencionais. Portanto, mais de 530 mil pessoas que sofrem desse mal no Rio não são diagnosticadas. 

Outros levantamentos mostram que 88,7% da população do Rio já foi exposta a algum evento traumático ao longo da vida. Nada menos do que 63,8% vivenciou diretamente esses traumas, como assaltos, agressões, estupros, sequestros, torturas e ameaças. 

Assim, famílias como a da menina Maria Eduarda, morta dentro do colégio, dos meninos de Costa Barros, alvejados por centenas de tiros, da Luciana Novaes, atingida por um tiro dentro da faculdade, da Thayane, baleada em Realengo e hoje numa cadeira de rodas, do pedreiro Amarildo, desaparecido até hoje, do pequeno Artur, atingido por um tiro de fuzil dentro do ventre da mãe, e de tantas outras, foram marcadas para sempre. 

Nesse contexto, prestar assistência psicológica é dever mínimo de um Estado que insiste em reproduzir uma lógica violenta e ineficaz de segurança pública, vitimando civis e policiais, igualmente reféns dessa estrutura, lidando com consequências psíquicas catastróficas.

O que sabemos é que o trauma é revivido pelas famílias e vítimas minuto após minuto, diariamente, por anos. Algumas evitam lugares, pessoas e situações que trazem consigo a lembrança do drama vivido, enquanto outras carregam permanente sentimento de culpa, irritação, insegurança e, em muitos casos, depressão.

Não há dúvidas, portanto, que é preciso transformar esse cenário de barbárie para construir uma sociedade mais justa e solidária, que produza memórias e cotidianos de dignidade. Mas, enquanto tudo está fora da ordem, que se garantam os tratamentos adequados para permitir que sonhemos e continuemos para um outro amanhã.

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