Aliada de Moro retoma domínio sobre processos remanescentes da Lava Jato

24/05/2023 08:02
Por Pepita Ortega e Rayssa Motta / Estadão

Com a saída de Eduardo Appio do comando da 13ª Vara Federal de Curitiba, aliados do ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) voltaram a ter poder de decisão sobre as ações remanescentes da Lava Jato. Entre os magistrados envolvidos no julgamento dos processos, na capital paranaense e em Porto Alegre – onde fica a sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cuja jurisdição inclui o Paraná -, Appio era voz dissonante, que defendeu “passar a limpo” as decisões do juízo e “um acerto de contas com a verdade”.

No lugar de Appio assumiu, interinamente, a juíza Gabriela Hardt. Como substituta, a magistrada já despachou ao lado dos dois antecessores de Appio: Luiz Antônio Bonat, alçado a desembargador do TRF-4, e Moro. Em 2019, foi ela quem condenou o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação penal que envolve o sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP).

Pouco depois de reassumir o cargo, ainda ontem, Gabriela já proferiu um despacho na Lava Jato: determinou que o Ministério Público Federal se manifeste no processo em que Appio pediu que a Polícia Federal apure escuta ilegal encontrada na cela do doleiro Alberto Youssef à época em que ele esteve preso na carceragem da corporação, em Curitiba.

Appio falou em “acerto de contas com a verdade” durante entrevista à GloboNews que foi ao ar poucas horas antes de o TRF-4 afastá-lo da vara responsável pela Lava Jato, anteontem, e proibir seu acesso tanto aos sistemas de informática como às instalações da Justiça Federal.

As mudanças trazem à luz um jogo de poder em torno da 13ª Vara, que, nos últimos nove anos, tornou-se o centro da discussão sobre política e corrupção no Brasil. Por ser a primeira vara especializada em lavagem de dinheiro no Sul do País, ela absorveu os processos sobre crimes financeiros que derivavam do Caso Banestado – investigação sobre remessas ilegais de dinheiro por meio de contas especiais no antigo Banco do Estado do Paraná (privatizado em 2000).

A partir de Curitiba, a Operação Lava Jato alterou o mapa político do País. Levou à prisão de Lula em abril de 2018 e deu popularidade ao então juiz Moro e ao então procurador Deltan Dallagnol, que coordenou a força-tarefa do Ministério Público no Paraná. Moro foi titular da vara especializada em crimes financeiros desde sua criação, em 2003, até novembro de 2018, quando deixou a magistratura para ser ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PL). No ano passado, elegeu-se senador, com 1,9 milhão de votos.

Deltan foi o deputado mais votado no Paraná, com 344 mil votos. Na semana passada, teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que entendeu haver fraude à Lei da Ficha Limpa no seu processo de exoneração do Ministério Público Federal, por haver 15 reclamações contra ele que poderiam se tornar processos administrativo-disciplinares.

INTIMIDAÇÃO

Appio foi afastado das funções pela Corte Especial Administrativa do TRF-4, que investiga se ele tentou intimidar ou ameaçar o advogado João Eduardo Malucelli em ligação telefônica realizada em 13 de abril. João Eduardo é namorado da filha de Moro, Julia, e trabalha no escritório Wolff Moro Advocacia, liderado pela mulher do senador, a deputada Rosângela Moro (União Brasil-SP).

O pai de João Eduardo é o desembargador federal Marcelo Malucelli, relator da Lava Jato em segunda instância, no TRF-4. Na semana do telefonema, o desembargador havia tornado sem efeito decisão de Appio de revogar pedido de prisão preventiva contra o advogado hispano-brasileiro Rodrigo Tacla Duran, que acusa Moro e Deltan de extorsão.

O telefonema recebido por João Eduardo foi gravado em vídeo. A Justiça Federal pediu à PF que comparasse a voz da gravação à de entrevistas de Appio. Segundo despacho do corregedor do TRF-4, desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, o laudo “corrobora fortemente a hipótese” de que a voz gravada é de Appio.

‘APRONTADO’

Na ligação, o interlocutor de João Eduardo diz ser funcionário do setor de saúde da Justiça Federal, afirma ter tido acesso à declaração de Imposto de Renda do desembargador e faz perguntas. O advogado pede que ele entre em contato com seu pai. Ao fim, a voz que seria do juiz pergunta: “E o senhor tem certeza que não tem aprontado nada?”

Levantamentos feitos no processo disciplinar que afastou Appio demonstram que ele acessou uma página do sistema da Justiça Federal que continha o número de telefone de João Eduardo dois minutos antes do horário em que a ligação foi realizada.

O afastamento do juiz se deu sem perda de remuneração. Ele tem direito a defesa, que deve ser apresentada ao colegiado da Corte Especial Administrativa. O despacho dá 15 dias para a defesa prévia.

Ontem, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), requisitou à 13ª Vara e ao TRF-4 cópias das ações penais nas quais Tacla Duran figura como réu. Solicitou também todos procedimentos a elas relacionados, inclusive processos em que o Ministério Público Federal questiona a conduta de Appio. Toffoli reforçou que nem o TRF-4 nem a 13ª Vara poderão assinar despachos no âmbito das ações ligadas a Tacla Duran.

Em entrevistas, ontem, Moro admitiu que tinha conhecimento prévio da gravação feita pelo namorado da filha. “Fiquei perplexo. O que nós fizemos? Recolhemos o material e entregamos ao tribunal, que fez toda a operação”, disse.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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