Anita Prestes vem a Petrópolis e fala sobre ditadura militar, lutas sociais e governo Bolsonaro

17/06/2019 18:35

“A força capaz de influir nos acontecimentos é a força popular. O que pode se contrapor a ação do fascismo, da direita, é a organização popular”, afirma a historiadora Anita Benário Prestes, nesta semana, em entrevista a Tribuna de Petrópolis. A filha do líder comunista Luís Carlos Prestes e da militante comunista Olga Benário, visitou Petrópolis, e conversou sobre a importância do tombamento e desapropriação da Casa da Morte e sobre as manifestações populares que tem acontecido no país desde o último mês. 

A convite do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Anita visitou a Casa da Morte, no Caxambu, local que foi um centro clandestino de tortura durante o período da ditadura no país. Pelo oito pessoas companheiras de partido da historiadora foram torturadas e mortas nesta casa. 

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CDDH vai lançar campanha de financiamento coletivo para desapropriar a Casa da Morte  

“As novas gerações, as vezes nem tão novas assim, desconhecem (a história). Na época da ditadura, quando estavam sendo cometidas as atrocidades, havia censura a imprensa, ai a maioria do povo brasileiro não tomou conhecimento. O tipo de transição que houve no Brasil até aqui, para a democracia, a partir de 78/79 foi muito limitada. Basta dizer, como exemplo, que houve anistia tanto para perseguidos políticos, quanto para torturadores. E até hoje é mantida essa anistia para eles (torturadores)”, disse. 

A Casa da Morte foi tombada pelo município em dezembro do ano passado. Agora, sua desapropriação para a criação de um Centro de Memória, Verdade e Justiça, depende da arrecadação de um financiamento coletivo que está sendo feito pelo CDDH, com o apoio do Ministério Público Federal e Prefeitura. Recordando suas memórias dos anos da ditadura militar no Brasil, a historiadora contou um pouco do que viveu neste período. 

Anita se formou em Química Industrial em 1964 – pela antiga Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) -, mas com o golpe de estado, as oportunidades desapareceram e não conseguiu trabalho na área. Segundo a historiadora, muitas portas se fecharam. O que fez com que se dedicasse ainda mais a militância no partido PCB (Partido Comunista Brasileiro). Viveu os primeiros anos da ditadura na clandestinidade, principalmente em São Paulo, com a perseguição política que vivia na época, segundo ela, era difícil levar adiante atividades de organização política legalmente. Viu camaradas serem presos, e a repressão cada vez mais forte. Acabou se exilando primeiro na Europa em 1973, em seguida na União Soviética, onde também concluiu um doutorado em Economia Política, em Moscou. E morou também na França. 

Após atuar na direção do PCB no exterior, principalmente em solidariedade aos presos políticos no Brasil, e também tentando reorganizar o partido, conseguiu retornar ao país em 1979, com a lei da anistia. Mas nesse período foi condenada pela Justiça Militar de São Paulo há 4 anos e meio de prisão. A revelia, já que não estava mais no país. 

“No meu caso, pegaram para dar de exemplo. A filha do Prestes, conhecido e tal. Tanto que eu levei uma pena maior do que os outros camaradas que até tinham maior responsabilidade do que eu. Mas a minha pena foi a maior porque eles queriam dar uma lição. Nesse sentido politico”, lembra. A ditadura, é lembrada pela historiadora como um período em que foram cometidos de horrores e atrocidades.

“Foi uma época em que a tortura era realmente assustadora, tanto que vários companheiros dos que eu conhecia foram tragicamente assassinados. Inclusive pelo Pastor Cláudio (fazendo referência ao torturador Cláudio Guerra, responsável por assassinar e incinerar opositores a ditadura militar no Brasil) foi um dos assassinos que trabalharam”, lembra. 

Em apoio a desapropriação da Casa da Morte, Anita ressaltou a importância de preservar a memória do que se passou ali, para Petrópolis e para o Brasil. “Esses horrores muita gente não sabe, não conhece. É muito importante resgatar isso, o trabalho é feito inclusive nesses Comitês de Direitos Humanos. A sociedade brasileira precisa saber das denúncias desses horrores porque nós ficamos ameaçados que isso aconteça de novo”, ressaltou.

Para a historiadora, o país hoje está submetido a uma tendência fascista bastante presente. “O poder militar que estava um tanto recolhido com a chamada democratização está voltando. E com Bolsonaro, ou sem Bolsonaro, acho que a tendência fascista está ai. E que é muito importante que a sociedade se mobilize para dar um basta nisso, defender a democracia, a liberdade democrática. E o mais importante agora é não permitir que o processo de fascistização avance”.

Historiadora fala da importância de fortalecer as lutas populares 

No evento que participou no CDDH na última terça-feira (11), Anita falou sobre a história das lutas populares em Petrópolis. Lembrou das manifestações que aconteceram em mais de 140 cidades, no dia 15 de maio, em favor da educação, e dos  avanços que surgiram a partir delas.

“A reitora da UFRJ que foi eleita pela comunidade, foi nomeada pelo presidente. Isso foi uma vitória, porque ameaçava nomear um general. O corte de verbas que tinha sido anunciado, parece que não vai mais ser o que se pretendia. Porque o que pode ir mudando a situação é a pressão popular. Essa pressão não é só sair para a rua, é o povo se organizando nas suas instituições, nos seus locais de trabalho, para de forma cada vez mais organizada procurar influir nos acontecimentos”.

Neste sentido, Anita disse que a maior dificuldade enfrentada é a divisão dos grupos de esquerda. “Como chamar de esquerda grupos que se auto intitulam de esquerda. As vezes fazem o trabalho do inimigo e não da esquerda”, pontua. A falta de novas lideranças é um dos fatores de enfraquecimento dos grupos. “Tem muitos grupos que se auto intitulam de esquerda, mas não tem nenhuma penetração junto aos setores populares. Então ficam falando sozinhos e apresentando propostas totalmente irreais, que não correspondem aos anseios de quem eles pretendem representar. Então acho que é muito importante, porque é na luta que se ganha experiência, conhecimento, então é possível que novas lideranças se destaquem”. 

Os principais embates políticos hoje no Brasil giram em torno da preservação das liberdades democráticas, contra o fascismo e o respeito aos direitos essenciais do ser humano, como explica a historiadora. “Meu pai, o Prestes, nos anos 80 dizia isso: que o mais importante é que surjam movimentos populares, e que desses movimentos surjam novas lideranças. Que seja possível avançar na formação e na concepção popular, no estudo do marxismo, que sem conhecer marxismo também não vai poder realizar uma atividade efetivamente transformadora. Tem que ter conhecimento. Conhecimento do Brasil, conhecimento das reivindicações populares para em torno disso, organizar e lutar para ter sucesso”. 

O último livro publicado da historiadora é sobre sua mãe Olga

“Olga Benário Prestes – Uma comunista nos arquivos da Gestapo”, escrito por Anita após se debruçar sobre cerca de 2 mil documentos, que até então desconhecidos por todos, foram disponibilizados após um acordo entre o Governo da Rússia e da Alemanha. “Muita coisa a gente não sabia até porque a Gestapo era muito fechada e minha mãe também não podia escrever porque as cartas eram todas censuradas. Então uma série de detalhes que no fundamental a gente sabia, mas tinham detalhes que não conhecíamos. E que o Fernando Moraes quando escreveu o livro dele, que é bastante bom, não teve acesso à documentação”. 

A história do Brasil é cruza diretamente com a história da vida da historiadora. “Interessante é a primeira carta que ela (Olga) escreve lá de Berlim, depois que ela chegou lá, logo depois do meu nascimento. Ela escreve para meu pai, uma carta bastante detalhada sobre meu nascimento. A carta está escrita em francês inclusive, e a Gestapo não mandou essa carta. Ali ela diz até a hora do meu nascimento, que são detalhes que a gente não sabia”.

As cartas deveriam ser escrita em alemão, tanto as que eram enviadas da prisão na Alemanha, quanto as remetidas para lá. Como não sabiam a língua alemã, a tia (Lygia Prestes) e avó (Leocádia Prestes) contavam com uma rede solidária de voluntários que traduziam as cartas e enviavam ao Luís Carlos Prestes. “Com isso, minha tia Lygia guardou todas as originais dessas cartas, então nós publicamos em 2001 três volumes da correspondência da prisão do meu pai. Dos nove anos em que ele ficou preso, a correspondência fundamental está lá”. 

Olga veio para o Brasil em 1934, para apoiar o PCB. Aqui se casou com Luís Carlos Prestes, também militante comunista. Foi presta e deportada para a Alemanha em 1936, no governo Vargas. Olga foi grávida para a Alemanha, e teve Anita na prisão feminina em Berlim neste mesmo ano. Aos 34 anos, em 1942, Olga foi executada em uma câmara de gás, no campo de extermínio de Bernburg. 

Com um ano e dois meses, Anita foi resgatada pela avó e pela tia paterna. Resultado de uma campanha mundial, chamada Campanha Prestes, que tinha sede em Paris, mas se espalhou pela Europa, Estados Unidos e vários países da América Latina. 

“Isso foi muito importante para o meu resgate, sem dúvidas, mas também para melhorar as condições carcerárias do meu pai aqui no Brasil e de outros presos políticos aqui no país e da minha mãe na Alemanha”, disse. Anita conta que se não fosse resgatada teria que ser mandada para um asilo, onde crianças de sua idade perdiam o nome e se transformavam em um número apenas. 

“Grande parte dessas crianças morreram ou não foram localizadas pelos pais. Pode imaginar a tragédia? Eu tive essa sorte. No caso eu falo que sou filha da solidariedade internacional”. Anita morou em Paris e no México. E veio para o Brasil em 1945, para encontrar seu pai Luís Carlos Prestes.

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