Aos 104 anos, morre Art Rupe, histórico produtor musical de rock e R&B

17/04/2022 12:53
Por Estadão

O produtor musical Art Rupe, cuja gravadora Specialty Records foi um selo de ponta durante os anos de formação do rock’n’roll e ajudou a lançar as carreiras de Little Richard, Sam Cooke e muitos outros, morreu aos 104 anos.

Rupe, que foi integrado ao Hall da Fama do Rock em 2011, morreu na sexta-feira, 15, em sua casa em Sana Barbara, Califórnia, nos Estados Unidos, de acordo com a Fundação Arthur N. Rupe, que não especificou a causa da morte.

Nascido em Greensburg, Pensilvânia, foi contemporâneo a Jerry Wexler, Leonard Chess e outros empresários e produtores brancos que ajudaram a trazer a música negra ao público geral. Ele fundou a Specialty em Los Angeles em 1946 e deu as primeiras chances a artistas como Cooke e seu grupo gospel, Soul Stirrers, Little Richard, Lloyd Price, John Lee Hooker e Clifton Chenier.

“Paralelamente, a Specialty Record cresceu, e talvez tenha definido a evolução da música popular negra, da música ‘de raça’ dos anos 1940 ao rock’n’oll dos anos 1950”, diz o historiador musical Billy Vera em The Specialty Story, um conjunto de cinco discos lançado em 1994.

A mais importante e lucrativa assinatura de contrato de Rupe se deu com Little Richard, intérprete de Rhytm & Blues e gospel desde sua adolescência, que se esforçava para ganhar destaque comercialmente. Em uma entrevista de 2011 aos arquivos do Hall da Fama do Rock, Rupe explicou que Little Richard (nome artístico para Richard Penniman, nascido em Macon, Georgia) ficou sabendo da Specialty por meio de Price, enviou um demo e por ficou esperando por meses tentando descobrir se alguém havia ouvido o material. Ele finalmente solicitou conversar com Rupe, que cavou a fita em sua pilha de rejeitados.

“Tinha algo na voz de Little Richard que eu gostei”, disse Art Rupe. “Eu não sei. Era tão exagerada, tão além do emocional. E eu disse: ‘Vamos dar uma chance para esse cara e talvez possamos fazê-lo cantar como B. B. King'”.

As primeiras sessões de gravação foram pouco inspiradas, mas durante um intervalo de almoço em um local próximo, Little Richard sentou-se a um piano e tocou uma música que tinha performado em clubes: Tutti Frutti, com seu imortal grito de abertura: “A-wop-bop-a-loo-mop-a-wop-bam-boom!”.

Lançado em setembro de 1955 e um dos primeiros grandes hits do rock, Tutti Frutti foi uma versão maníaca, mas mais limpa que a original, que continha rimas como “Tutti Frutti/Good Booty”. Rupe notou que a performance de Little Richard se transformava quando ele era acompanhado por um piano.

“Até aquele ponto, Bumps (o produtor Robert Bumps Blackweel) tinha Little Richard apenas como sendo vocalista. Seu osso do pescoço era conectado ao osso do joelho ou algo do tipo; sua voz e sua forma de tocar meio que lhe davam um impulso”, disse Rupe.

O crítico Langdon Winner comparava as gravações de Little Richard pela Specialty às sessões de Elvis Presley na Sun Records como “modelos de cantoria e musicalidade que têm inspirado artistas do rock desde então”. Outros hits de Little Richard pela Specialty incluem clássicos do rock como Long Tall Sally, Good Golly Miss Moly e Rip It Up, antes que ele se aposentasse abrupta e temporariamente em 1957.

Specialty também foi a casa de Lawdy Miss Clawdy (com Fats Domino ao piano), de Price; Farmer John, de Don and Dewey; Dizzy Miss Lizzy, de Larry Williams, que ganhou um cover dos Beatles; e de músicas dos principais artistas do gospel, como Dorothy Love Coates, os Swan Silvertones e os Pilgrim Travelers.

Rupe foi conhecido pelo quão pouco ele pagava seus artistas e se engajava por práticas de exploração comuns entre os donos de gravadora no início da era do rock: fazer os artistas assinarem contratos deixando ele com a maior parte ou todos os royalties e direitos de publicação. Little Richard o processaria em 1959 pedindo o retorno por royalties e conseguiu US$ 11 mil em um acordo extrajudicial.

Por volta da mesma época, Rupe aumentou sua frustração com o sistema “payola”, em que se subornava emissoras para fazer com que suas gravações fossem tocadas e se distanciou dos negócios musicais. Ele vendeu a Specialty para a Fantasy Records no início dos anos 1990, mas continuou a ganhar dinheiro por meio de investimentos em petróleo e gás.

Recentemente, ele comandou a Fundação Art. N. Rupe, que que apoiou a educação e a pesquisa para destacar “a luz da verdade em questões críticas e controversas”. Rupe deixa sua filha, Beverly Schwarz, e sua neta, Madeline Kahan.

Ele nasceu como Arthur Goldberg, filho de um judeu que trabalhava em uma fábrica e cuja paixão pela música negra começou por ouvir cantores de uma igreja batista próxima. Estudou na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, tendo considerado brevemente seguir carreira no cinema, mas optando pela música, aprendendo ao comprar “gravações de raça” e ouvindo-as com um metrônomo e um cronômetro.

Ele foi co-fundador da Juke Box Records no meio dos anos 1940, mas deixou a gravadora pouco depois para dar início à Specialty. Ele também mudou seu sobrenome para Rupe, o nome ancestral de sua família.

O gosto distinto de Rupe fez dele um sucesso, mas lhe custou ao menos um grande hit. No meio dos anos 1950, Cooke estava ansioso para expandir seu apelo além do meio gospel e gravou algumas músicas pop na Specialty, inclusive a balada You Send Me.

Rupe achou que a canção sem graça e ficou chocado pelos cantores de apoio brancos. Ele permitiu que Cooke e Blackwell, que se tornara empresário de Cooke, comprassem os direitos e lançassem You Send Me pela RCA. “Eu não achava que You Send Me era tudo aquilo. Eu sabia que tinha certo valor intrínseco, porque Sam era bom, mas nunca imaginei que se tornaria um sucesso multimilionário de vendas”, disse Rupe, que complementou, de forma sarcástica: “uma jogada de gênio da minha parte”.

(Com Associated Press)

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