Apesar de tom ameno do Fed, dólar sobe com questões técnicas e alta do iene

31/jul 18:05
Por Antonio Perez / Estadão

O dólar à vista fechou a sessão desta quarta-feira, 31, em alta firme, acima da linha de R$ 5,65, na contramão da onda de enfraquecimento da moeda americana no exterior. O real sofreu com fatores técnicos, com a disputa pela formação da última taxa ptax de julho, até o início da tarde, e a rolagem de posições no segmento futuro no fim do mês. A moeda brasileira também teria sido alvo preferencial de desmonte de operações com carry trade suscitada por nova arrancada do iene, na esteira da decisão do Banco do Japão (BoJ, na sigla em inglês) de elevar os juros.

No meio da tarde, o dólar chegou a desacelerar bastante o ritmo de alta e operar na casa de R$ 5,63, em meio ao aprofundamento das perdas na moeda americana lá fora, após o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, abrir as portas para um corte da taxa básica norte-americana em setembro. Logo em seguida, porém, voltou a superar R$ 5,65 com o aumento da tensão geopolítica, diante da informação de que o Irã se prepara para atacar Israel, em retaliação ao assassinato de líder político do grupo terrorista Hamas na capital iraniana.

Com mínima a R$ 5,6084 e máxima a R$ 5,6835, o dólar encerrou o pregão em alta de 0,68%, cotado a R$ 5,6553, o que levou a valorização acumulada em julho para 1,20%. No ano, a moeda americana avança 16,52% no mercado doméstico. O real amargou o segundo pior desempenho do dia, atrás apenas do novo shekel, a moeda de Israel. Apenas outras duas divisas emergentes também se desvalorizaram hoje, a lira turca e o sol peruano, mas com perdas bem menores.

O economista-chefe do Integral Group, Daniel Miraglia, vê a depreciação do real hoje muito ligada à zeragem de operações de carry trade deflagrada pelo fortalecimento do iene. Geralmente, investidores tomam recursos em moedas de países de juros baixos, caso do Japão, para aplicar em divisas de países com juros elevados, como o real. Com a valorização do iene, há uma reversão dessas operações, provocando uma depreciação da moeda brasileira.

“Esse movimento atual é algo passageiro, mais pontual e ligado ao mercado. Não algo estrutural como o que foi provocado pela questão fiscal. Essa pressão sobre o câmbio deve diminuir naturalmente”, afirma Miraglia, para quem o Banco Central poderia intervir no mercado de câmbio para atenuar a volatilidade da moeda provocada por fatores não estruturais e, assim, diminuir os impactos sobre a economia. “Se essa pressão sobre a moeda continuar por conta do iene, acredito que aumenta a probabilidade de o BC intervir”.

No exterior, o Federal Reserve, como esperado, manteve a taxa básica na faixa entre 5,25% e 5,50%. O comunicado trouxe um tom um pouco mais ameno, mas sem impacto relevante nos preços dos ativos. O Fed apontou progresso no processo de desinflação e reconheceu que há maior equilíbrio no mercado de trabalho, mas repetiu que não seria apropriado reduzir os juros até que adquirisse “maior confiança” de que a inflação caminha de forma sustentada à meta.

Em entrevista coletiva, Powell se mostrou mais inclinado a iniciar em breve um processo de afrouxamento monetário. Embora tenha condicionado qualquer mudança na taxa básica aos indicadores econômicos, o presidente do BC disse que “um corte na taxa pode estar na mesa na reunião de setembro”. E acrescentou que há um “senso disseminado” entre dirigentes do Fed de que estão chegando a mais perto de uma redução da taxa básica. Foi a senha para máximas dos Bolsas em Nova York e perdas maiores do dólar no exterior.

O economista André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, afirma que Powell adotou um tom bem mais brando do que o comunicado, que “não entregou absolutamente nada de novo”. Ele destaca a fala do presidente do BC de que talvez a inflação não seja mais 100% o foco dos dirigentes do Fed.

“Nos últimos meses, a economia americana emitiu sinais de desaceleração, com acomodação do mercado de trabalho. O caminho para corte de juros parece aberto, a não ser que haja uma surpresa significativa”, afirma Galhardo, ressaltando as incertezas provocadas pelas tensões geopolíticas no Oriente Médio.

Ferramenta da plataforma do CME Grupo mostrou que, após as declarações de Powell, aumentaram as chances de uma redução total de 75 pontos-base da taxa americana em 2024, com 100% de possibilidade de corte inicial no encontro de política monetária do Fed em setembro.

Por aqui, a expectativa é que o Copom anuncie manutenção da taxa básica em 10,50% ao ano, mas adote um tom mais duro no comunicado, em razão da deterioração recentes das expectativas de inflação.

Galhardo não vê espaço para uma apreciação do real mesmo que se confirme o corte de juros esperado nos EUA nos próximos meses.

Ele afirma que a formação da taxa de câmbio ainda está muito atrelada a questões domésticas, como as dúvidas sobre em torno do cumprimento da meta fiscal e os temores relacionadas à gestão da política monetária com a troca do presidente do Banco Central, após a saída de Roberto Campos Neto. “Os riscos fiscais para 2025 vão começar a entrar no radar e a inflação vai estar perto do teto da meta no último trimestre do ano. Isso tende a manter o real depreciado. Trabalhamos com um corredor entre R$ 5,55 e R$ 5,65, embora a moeda tenha rompido esse teto por questões transitórias como a valorização do iene”, afirma

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