Após 17 anos de produção, documentário sobre Clarice Lispector estreia nos cinemas
Leitora voraz de Clarice Lispector – Água Viva foi o primeiro impacto, a riqueza da escrita deixou-a siderada -, a pernambucana Taciana Oliveira teve pela primeira vez a ideia de fazer um filme sobre ela em 2005. Dez anos depois, o projeto ainda dependia do aporte de recursos. Durante boa parte desse tempo, Taciana conseguiu filmar, realizando entrevistas que considerava importantes, usando recursos próprios.
Em 2015, já tinha um primeiro corte, que pretendia usar como justificativa num edital do Governo de Pernambuco. Carlos Henrique veio em seu auxílio para fazer a correção de cor. Deu ideias preciosas que levaram Taciana a mudar muita coisa em sua montagem. Essa mudança de rumo já havia ocorrido quando sua corroteirista, Teresa Montero – biógrafa da escritora -, descobriu a entrevista que Clarice havia dada ao programa Os Mágicos, da TV Educativa, em 1976. O material foi escaneado e incorporado, como já havia sido antes o depoimento de Clarice ao MIS-Rio.
Clarice! Há um culto à escritora que nasceu na Ucrânia, desembarcou criança no Brasil, em Maceió. Com a família, fixou-se primeiro no Recife, antes de migrar para o Rio. “Foi muito importante para mim ressignificar essa passagem de Clarice pelo Recife.” De certa forma, a própria Taciana, por meio de Clarice, teve de encarar sua luta por afirmação num mundo comandado por homens. Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo, 17 anos depois, finalmente estreia nos cinemas, nesta quinta, 8. Enfrenta a concorrência de filmes maiores – nos recursos -, mas valerá a pena embarcar nessa viagem para descobrir mais um pouco do que pode definir como ‘mistério Clarice’.
A autora de livros viscerais – Perto do Coração Selvagem, A Hora da Estrela, A Paixão Segundo G.H. – era uma mulher belíssima. A amiga Maria Bonomi fala da sua beleza ‘misteriosa’. Na própria obra, Clarice refletia sobre isso. À amiga Lygia Fagundes Telles, outra mulher deslumbrante, disse que deviam sorrir menos nas fotos, sob pena de não serem levadas a sério. Ela despertava paixões, mas também viveu uma, intensa e irrealizada, pelo também escritor Lúcio Cardoso.
Reunidas no volume que dá título ao filme – A Descoberta do Mundo -, as crônicas de Clarice publicadas no Jornal do Brasil, de 1967 a 73, ajudam a entender não só os meandros da escrita, mas também a figura da autora. No início, Taciana chegou a pensar numa atriz para fazer Clarice no filme. Terminou optando pela leitura de trechos de suas obras, não apenas por atores e atrizes conhecidos, como Cristina Pereira, Eucir Souza e Elias Andreato, mas também por leitores da escritora. Muito se tem escrito sobre ela, mas a própria Clarice advertia – “Sou um mistério para mim mesma.” O doc de Taciana é um bom aquecimento para a ficção de Luiz Fernando Carvalho, A Paixão Segundo G.H., prometida para o ano que vem, com Maria Fernanda Cândido.