Após ação tramitar 17 anos, Supremo forma maioria contra privilégio do MP

08/07/2023 08:07
Por Pepita Ortega / Estadão

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para derrubar um penduricalho do Ministério Público – os chamados “quinto”, “décimo” e “opção” – pago a integrantes do órgão. Os termos se referem a “vantagens pessoais” cedidas a procuradores e promotores que exerceram cargos de direção, chefia ou assessoramento em algum momento da carreira e continuam recebendo os vencimentos mesmo após deixarem tais funções.

A ação que o Supremo analisa durante o recesso judiciário deste ano chegou à Corte máxima do País há 17 anos. O julgamento foi retomado no último dia 30, com o voto de Dias Toffolli, que firmou placar de 6 a 0 pela extinção dos benefícios. O entendimento dos ministros contraria interesses e apelos das principais entidades de procuradores e também do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O resultado do julgamento no Supremo poderá destravar uma discussão no Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possível devolução de valores por procuradores e promotores. Não há estimativa de custos desses penduricalhos para os cofres públicos.

Ajuizada em dezembro de 2006, a ação no Supremo foi subscrita pela Advocacia-Geral da União (AGU) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao fim de seu primeiro mandato. Na época, a AGU era chefiada por Álvaro Augusto Ribeiro Costa. O objeto da ação é uma resolução do CNMP editada em julho daquele ano.

A norma contestada permitiu que integrantes mais antigos do Ministério Público – que assumiram cargos de chefia até 1998 – recebessem, além dos subsídios, valores referentes a essas funções exercidas em alguma etapa da carreira. Desde 1998, o pagamento do adicional só é permitido durante o exercício dos cargos de direção, chefia ou assessoramento. Naquele ano, a reforma administrativa do governo Fernando Henrique Cardoso acabou com a incorporação do penduricalho. Antes, esse valor extra entrava no contracheque. Esse é o ponto central da ação que se arrasta no STF.

O caso foi inicialmente encaminhado para o gabinete do então ministro Joaquim Barbosa. Depois, o processo – à época em versão física apenas – tramitou na Corte até chegar ao gabinete da então presidente, Ellen Gracie. Com a justificativa de “relevância” do tema, ela deixou de apreciar o pedido liminar – mantendo os repasses até uma decisão de mérito do Supremo – e enviou o caso para análise direta do plenário.

A ação, no entanto, só começou a ser julgada em novembro do ano passado, 16 anos depois de ser protocolada. A análise foi suspensa em duas ocasiões, por pedidos de vista dos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli. Agora, o processo ficará em julgamento durante todo o recesso judiciário. A sessão virtual de análise do tema se encerra em 7 de agosto, depois de o Supremo retomar os trabalhos.

Argumentos

O relator do caso no STF, Luís Roberto Barroso, defende que o Supremo declare inconstitucional a resolução do CNMP, editada em 2006, estabelecendo que o “quinto”, o “décimo” e a “opção” – que já eram recebidas por integrantes do MP – poderiam continuar a ser pagos, à parte dos holerites. Ainda liberava o pagamento de adicional de 20% para quem tivesse se aposentado antes de 1998, no último nível da carreira.

Ao Supremo, Lula e Ribeiro Costa sustentaram que a resolução do conselho afronta o “princípio republicano” que “impõe a vedação aos privilégios” e serve como “norte para caracterizar, como válidos ou não, eventuais acréscimos e gratificações à parcela mensal única dos agentes públicos”.

A Procuradoria-Geral da República, cujo titular também preside o CNMP, se manifestou contra a ação da AGU. Na ocasião, a alegação foi de que a norma estaria de acordo com a Constituição, uma vez que as “vantagens pessoais” seriam submetidas, assim como os subsídios, ao teto do funcionalismo – o vencimento de um ministro do Supremo.

Categoria

Entidades representativas do MP acompanharam a manifestação da Procuradoria. Em 2007, a Associação Nacional dos Procuradores da República, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, a Associação Nacional do Ministério Público Militar e a Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios argumentaram que a incorporação das “vantagens pessoais” deveria ser reconhecida como direito adquirido dos procuradores e promotores.

Ao analisar o caso, Barroso ressaltou que a Constituição proíbe o “acréscimo de qualquer espécie remuneratória ou de vantagens pessoais decorrentes do exercício regular do cargo”. O posicionamento foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

O voto de Barroso propõe a fixação da tese segundo a qual “a incorporação de vantagens pessoais decorrentes do exercício pretérito de função de direção, chefia ou assessoramento, bem como o acréscimo de 20% ao cálculo dos proventos de aposentadoria para aqueles que se aposentam no último nível da carreira, afrontam o regime constitucional de subsídio.”

Devolução

A decisão do Supremo sobre o tema é aguardada em meio a muita expectativa pelo Ministério Público não só em razão da palavra final sobre as “vantagens pessoais”, mas também por causa de um desdobramento do tema no TCU. Em 2015, a Corte de Contas viu “irregularidade” no pagamento do quinto e determinou que o MP cobrasse de seus integrantes valores eventualmente pagos como “vantagens pessoais”. Segundo o acórdão, seriam devolvidos os montantes recebidos pelos procuradores nos últimos cinco anos.

As entidades da classe recorreram e o tema voltou à pauta do TCU em abril. O tribunal suspendeu a determinação sobre devolução de valores “recebidos indevidamente”, até uma nova discussão pelo colegiado, após o julgamento do Supremo. Com a maioria instalada na Corte para derrubar o benefício, o Ministério Público já ensaia uma reação nos bastidores, sobretudo com o objetivo de impedir a devolução de dinheiro.

As associações de classe devem ingressar com recurso no Supremo para que os ministros modulem a decisão e estabeleçam a data de conclusão do julgamento como “marco” – ou seja, que os procuradores e promotores não tenham de devolver os valores que receberam ao longo desses anos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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