Aracaju pode perder território e duas praias para cidade vizinha; entenda

13/nov 10:35
Por José Maria Tomazela / Estadão

Uma decisão judicial obriga o município de Aracaju, capital de Sergipe, a devolver uma área de 20,78 quilômetros quadrados à vizinha São Cristóvão. No território, equivalente a 2 mil campos de futebol, estão escolas, unidades de saúde e duas praias bastante procuradas pelos turistas. A área representa 11,4% de toda a capital sergipana e teria sido anexada de forma irregular a Aracaju.

O julgamento é definitivo. Cerca de 30 mil pessoas que hoje são aracajuanas, vão se tornar cidadãs de São Cristóvão, que já foi a capital do estado. Moradores da região se mobilizam para resistir à mudança.

O que está em disputa:

Território de 20,78 quilômetros quadrados;

30 mil pessoas afetadas;

5 bairros: Santa Maria, Mosqueiro (principal área turística), Robalo, Areia Branca e Matapuã;

6,7 mil imóveis;

14 escolas com mais de 6 mil alunos;

3 postos de saúde;

31 km de ruas pavimentadas;

Redes de água e energia, praças e áreas verdes;

Receita de IPTU estimada em R$ 5,2 milhões anuais.

A decisão, da 3ª Vara Federal de Sergipe, foi tomada após uma disputa judicial que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Com o trânsito em julgado da sentença a nosso favor, nós entramos com ação para que ela fosse cumprida e também obtivemos ganho de causa. Cabe agora ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) redefinir os limites e refazer a contagem populacional das duas cidades”, disse o prefeito de São Cristóvão, Marcos Santana (MDB).

Com a nova configuração, parte dos bairros da zona de expansão de Aracaju, como o Santa Maria, Mosqueiro, Robalo, Areia Branca e Matapuã passam a integrar o município de São Cristóvão. O Mosqueiro é um dos principais pontos turísticos da capital, com praias de águas quentes, coqueirais e condomínios de luxo. A população da cidade, de 95 mil habitantes, vai chegar a 125 mil. Já Aracaju cairia de 603 mil para 573 mil moradores.

A transferência envolve 6,7 mil imóveis, 14 escolas com mais de 6 mil alunos, três postos de saúde e 31 km de ruas pavimentadas, além de redes de água e energia, praças e áreas verdes. A receita de Imposto Predial e Territorial Urbano nessa região é estimada em R$ 5,2 milhões anuais, que passaria de uma cidade para a outra.

Prefeito de São Cristóvão defende resgate de terra

De acordo com o prefeito, São Cristóvão está resgatando uma gleba de terra que é historicamente ligada à cidade e tem alto potencial turístico. “Estamos fazendo o resgate de um território que nos foi tomado de forma absurda. Na época os deputados estaduais aproveitaram que estava sendo revista a constituição do estado para repassar vários núcleos de São Cristóvão para Aracaju, com o argumento de que não tínhamos condições de fazer a manutenção dessa área. Não houve plebiscito, consulta, nada”, disse.

A alteração nos limites municipais foi feita por uma emenda à constituição do estado aprovada em 1999. A medida transferiu para a capital os bairros de Robalo, Náufragos, Mosqueiro, Água Branca e São José, que eram as últimas áreas litorâneas de São Cristóvão. “Ficamos sem acesso ao mar e, em muitos desses bairros a população original tem vínculos afetivos com nossa cidade”, disse o prefeito.

Aracaju quer adiar cumprimento e propõe plebiscito

A prefeitura de Aracaju tenta adiar o cumprimento da decisão com um recurso na forma de agravo, interposto no Tribunal Regional Federal da 5ª Região. “A cidade de Aracaju, como único provedor de serviços para essa população, seguirá alertando o Judiciário sobre os riscos de medidas extremas e rupturas não planejadas”, afirmou o município, através da procuradoria jurídica de Aracaju.

A prefeitura ainda alega que a delimitação original entre as duas cidades, feita em 1954, não levou em consideração técnicas modernas de georreferenciamento e que mudanças sem consulta popular violariam o “sentimento de pertencimento” dos moradores. O município defende a realização de um plebiscito para ouvir a população afetada. Para o prefeito de São Cristóvão, entretanto, não há previsão legal para a realização da consulta popular.

Audiências e mobilização popular

No dia 14 de outubro último, foi realizada a primeira audiência entre as partes envolvidas. Ficou determinada a expedição de ofício ao governo de Sergipe para que apresente as informações solicitadas pelo IBGE no prazo de 20 dias, sob pena de aplicação de multa diária já fixada pela Justiça Federal. Novas audiências ainda serão designadas para estabelecer as medidas de transição da gestão das áreas que serão transferidas.

Do lado de Aracaju, associações de moradores se movimentam contra a possível mudança. “Estamos defendendo nosso direito de permanecer na zona de expansão, em Aracaju. Nossa identidade é aqui, como aracajuanos. Queremos que a população interessada seja ouvida em um plebiscito”, disse o professor Rafael Siqueira, do Movimento Somos Aracaju, criado para se opor à mudança.

A Associação Comunitária de Desenvolvimento do Povoado de Mosqueiro também se mobiliza para continuar em Aracaju. “Desde que nasci, na década de 1970, moro aqui e sou aracajuana. Estudei na escola do bairro e cresci como sendo cidadã de Aracaju. Isso não pode mudar agora”, disse a diretora Maria da Luz Reis.

Entenda o contexto histórico das duas cidades

A cidade de São Cristóvão é conhecida pelo seu patrimônio histórico, como a Praça São Francisco, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e declarada pela Unesco como patrimônio da humanidade. Em junho de 1820, quando Dom João VI decretou a emancipação de Sergipe da Bahia, São Cristóvão tornou-se a capital do novo estado.

Em março de 1855, atendendo a pleito dos senhores de engenho que precisavam de um porto para escoar a produção de açúcar, a capital foi transferida para Aracaju. Historiadores afirmam que, em 1954, quando a cidade enfrentava crise de energia elétrica, o prefeito de São Cristóvão cedeu sua área litorânea à capital em troca da instalação de um gerador elétrico na cidade.

Atualmente, a maior concentração populacional de São Cristóvão está na região do Jardim Rosa Elze, que fica mais próxima de Aracaju – a 10 km do centro da capital. Os 55 mil moradores dessa região trabalham e usam serviços públicos, como transporte coletivo e unidades de saúde, de Aracaju. O bairro se expandiu após a instalação do campus da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que impulsionou o desenvolvimento da região.

O governo de Sergipe informou que, embora o estado não seja parte no processo, recebeu e está analisando a documentação encaminhada pela Justiça Federal. A análise é feita em conjunto com a Secretaria Especial de Planejamento, Orçamento e Inovação (Seplan), vinculada à Secretaria de Estado da Casa Civil, com o objetivo de definir a melhor forma de atender às determinações judiciais e apoiar o trabalho do IBGE. O Instituto foi procurado pela reportagem e ainda não deu retorno.

A demanda entre Aracaju e São Cristóvão remete a um litígio ainda maior no Nordeste brasileiro. Em 2011, o estado do Piauí entrou com ação cível originária no STF pleiteando áreas de 13 municípios cearenses, dos quais oito estão na Serra do Ibiapaba, que fica na divisa entre os dois estados. A disputa remonta a meados do século 19 e envolve uma área superior a 6 mil km2. A ação aguarda julgamento no Supremo e, se Piauí ganhar a causa, cerca de 25 mil cearenses passarão a ser piauienses.

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