Arquiteto Paulo Mendes da Rocha morre aos 92 anos; relembre trajetória

23/05/2021 14:21
Por Edison Veiga / Estadão

Paulo Mendes da Rocha morreu neste domingo, 23, aos 92 anos de idade. Desde a morte de Oscar Niemeyer (1907-2012), ele era o mais renomado arquiteto brasileiro. E, inconteste, o mais premiado de todos eles, tendo recebido condecorações como o prêmio Pritzker, principal distinção da arquitetura mundial, em 2006, e o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2016.

Para o arquiteto e urbanista Lucio Gomes Machado, professor da Universidade de São Paulo, Rocha foi “o mais importante arquiteto brasileiro da atualidade, seja pelo conjunto da obra, seja pelo enorme contingente de discípulos”.

“Suas obras destinam-se a um amplo espectro de programas e escalas de intervenção e apresentam soluções que as unificam em torno de princípios evidentes em toda sua carreira”, completa Machado. “À primeira vista, seria o concreto armado aparente sua característica maior, mas é claro que um simples material não poderia explicar sua obra. As formas geométricas poderiam vinculá-lo ao brutalismo que alguns especificam como ‘paulista’ – muitos o colocam como o principal ator desse movimento. Mas um exame mais apurado permite o reconhecimento de detalhes construtivos de requintada simplicidade, associados a uma arquitetura elaborada com a síntese perfeita de um conjunto de intenções formais e simbólicas e expressa com clara parcimônia de elementos construtivos. A estrutura tem papel relevante e é o fio condutor para a solução do programa e sua implantação no sítio.”

Nascido em Vitória, no Espírito Santo, em 1928, Paulo Mendes da Rocha formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, em 1954. Desta época, tornou-se próximo de colegas como Jorge Wilheim (1928-2014) e Carlos Millan (1927-1964) e, juntos, passaram a pensar – e, mais tarde, produzir – a arquitetura moderna paulista.

“Paulo Mendes da Rocha pertenceu à primeira geração de arquitetos formados nas escolas de arquitetura que se tornaram independentes de escolas de engenharia em São Paulo”, contextualiza Machado. “O ensino no Mackenzie, onde se formou em 1954, era então orientado pela arquitetura vinculada à Beaux-Arts, revisada pelo filtro da Escola da Filadélfia, onde seu mentor, Cristiano Stockler das Neves havia se formado décadas antes. Muitos dos alunos reagiram a essa orientação e passaram a estudar a arquitetura moderna e a praticá-la dentro e fora da escola, ampliando a o papel relevante que a arquitetura moderna adquiria naquela época no contexto da cultura brasileira.”

Foi influenciado pelas propostas de João Batista Vilanova Vilanova Artigas (1915-1985) que Rocha passou a conceber suas primeiras obras, como o ginásio do Clube Atlhetico Paulistano. Rocha, então, torna-se um representante da chamada Escola Paulista, isto é, passa a lançar mão de concreto armado aparente, estruturas racionais e amplos espaços abertos. O projeto do Paulistano foi premiado na Bienal de São Paulo – e isso rendeu notoriedade ao então jovem arquiteto.

Tornou-se professor na Universidade de São Paulo em 1961, como assistente de Artigas. Anos mais tarde, durante o regime militar, acabou sendo compulsoriamente afastado pela ditadura. Machado pontua que o trabalho acadêmico de Paulo Mendes da Rocha foi “profícuo”, contribuindo para a “renovação do ensino de projeto” e para a “formação, de forma decisiva, de sucessivas gerações de arquitetos pautados por sua obra e de Artigas”. “Lamentavelmente o governo militar o afastou da atividade docente, a qual somente seria retomada com o restabelecimento da democracia”, comenta ele.

E é após a redemocratização que o arquiteto passou a desenvolver suas mais importantes obras públicas. Foi a partir de sua prancheta que a Pinacoteca do Estado, em São Paulo, por exemplo, assumiu a configuração que a consolidaria como um dos mais importantes museus de arte do País. Ele também concebeu o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), em São Paulo, a reforma do Centro Cultural da Fiesp, também em São Paulo, e a Capela de São Pedro Apóstolo, em anexo ao Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão.

Mas nem todas as suas obras são unanimidade pública. A reconfiguração da Praça do Patriarca, em São Paulo, bem como a cobertura da Galeria Prestes Maia, acabaram sendo bastante criticadas quando executadas.

Nos anos 2000, Paulo Mendes da Rocha foi contratado para a intervenção que proporcionou novo programa para a Estação da Luz, patrimônio histórico de São Paulo, com a criação do contemporâneo Museu da Língua Portuguesa. Ele também projetou as novas instalações do Museu Nacional dos Coches, em Lisboa.

Rocha foi reconhecido em 2001 com o prêmio Mies Van Der Rohe, considerado o mais importante da arquitetura europeia. Cinco anos mais tarde, ganhou o Pritzker, condecoração norte-americana reconhecida como “o Nobel da Arquitetura” – dentre os brasileiros, apenas ele e Oscar Niemeyer (em 1988) levaram o prêmio. Ganhou ainda o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2016, o Prêmio Imperial do Japão, também em 2016, e a medalha de ouro do Instituto Britânico de Arquitetos (2017).

“Paulo Mendes da Rocha foi um poeta da forma, da linha reta e da precisão, contraponto complementar ao Oscar Niemeyer de curvas e informalidade”, analisa o arquiteto e urbanista Henrique de Carvalho, pesquisador da Universidade de São Paulo, blogueiro do Portal Estadão e proprietário do Ateliê Tanta. “Hoje, infelizmente, perdemos o arquiteto do concreto flutuante. É a vida nos lembrando que os gênios da sensibilidade também partem. Paulo Mendes fez de seus edifícios, cidade. Devemos ser gratos ao seu trabalho, seu esforço, sua generosidade e por sua arquitetura também generosa, que permanecerá como exemplo de um mundo melhor, mais aberto, mais justo, sem barreiras para o olhar.”

Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o arquiteto e urbanista Valter Caldana define Rocha como um “mestre dos mestres”. “O que define um mestre? Sem dúvida, sua capacidade técnica, seu conhecimento profundo, sua competência reconhecida, sua energia criativa”, comenta. “Mas o que faz dele um mestre dos mestres? Além disso tudo, sem a menor sombra de dúvida sua sensibilidade na percepção do mundo à sua volta, sua capacidade de construir critérios claros para compreendê-lo, sua profunda sabedoria e, sobretudo, sua generosidade para com o outro. Sua sabedoria exemplar, seu profundo conhecimento, sua ampla cultura, seu humanismo e sua generosidade.”

“Por fim, ser reconhecido como sendo capaz de expressar a síntese de seu tempo, de uma forma leve, de proporções magistrais, inigualáveis, onde todos se reconhecem”, prossegue. “No caso da arquitetura brasileira, este mestre dos mestres se chama Paulo Archias Mendes da Rocha, de quem tenho a honra e o prazer de ser um discípulo.”

Em 2020, Paulo Mendes da Rocha optou por doar seu acervo à Casa de Arquitectura, museu e centro expositivo de Matosinhos, na região metropolitana do Porto, em Portugal. A decisão dividiu opiniões, entre críticos à atitude, afirmando necessidade de o Brasil conservar uma coleção como a dele, e os que apoiaram-no.

“Essa decisão foi tomada há dois anos, bem antes, portanto, da crise atual. Nunca procurei ninguém, foi o [diretor executivo Nuno] Sampaio que me fez a proposta de abrigar o acervo na Casa de Arquitectura e convidou Catherine Otondo para fazer o inventário da obra”, contou ao Estadão, à época. O acervo tinha quase 9 mil peças, entre maquetes, fotografias e desenhos originais.

No Facebook, Pedro Mendes da Rocha, filho do arquiteto, publicou uma homenagem após a morte do pai neste domingo, 23: “Depois de tanto projetar edifícios em concreto e aço, meu pai foi projetar galáxias com as estrelas!”.

Últimas