Conforme foi adiantado pela Coluna Les Partisans, o Núcleo de Arquitetos e Urbanistas de Petrópolis (NAU), ligado ao Instituto de Arquitetura do Brasil, emitiu uma carta desaconselhando a construção do Pavilhão Niemeyer, no Parque Natural Padre Quinha, na Avenida Ipiranga. No documento, dentre os pontos destacados, eles questionam a razão de mais uma construção em uma Unidade de Conservação Ambiental, além de demonstrarem preocupação com as questões ambientais.
A construção do empreendimento têm sido motivo de polêmica na cidade. Em dezembro do ano passado, a empresa EngePrat Engenharia e Serviços Ltda foi definida como a responsável pelas obras, que vão custar R$ 10,2 milhões aos cofres públicos. Ambientalistas da cidade também se manifestaram contra a construção do Pavilhão e, na última semana, uma denúncia foi apresentada ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ).
Confira na íntegra a carta divulgada pelo NAU Petrópolis:
“Nem Niemeyer, nem sustentável
Foi licitada, recentemente, a construção de um espaço de convivência no Parque
Natural Municipal de Petrópolis. O projeto prevê a construção de um pavilhão,
banheiros e paisagismo, incluindo jardim sensorial, fonte e cascata, tudo ao custo
de, aproximadamente, 11 milhões de reais. Muitos pontos podem ser questionados
nessa iniciativa, como, por exemplo, a razão de se ter mais uma construção em uma
unidade de conservação onde já existe uma edificação dependente de reforma para
utilização de atendimento ao público. No entanto, na condição de uma entidade
ligada à arquitetura e ao urbanismo, NAU Petrópolis/IAB-RJ, vamos focar em
algumas questões.
O pavilhão, objeto central da intervenção, foi anunciado como sendo um projeto de
Oscar Niemeyer, o grande arquiteto modernista brasileiro, sob o pretexto ora de que
teria grande potencial de atrair turistas, ora de que abrigaria uma exposição da obra
do mestre arquiteto, ou ainda que poderia acolher um curso de estruturas de
concreto, tal como justificado pela atual administração municipal.
Em 2012, ano do falecimento de Oscar Niemeyer, o arquiteto teria doado à
Prefeitura de Petrópolis o pavilhão projetado por ele e construído nos jardins da
Serpentine Gallery, em Londres (por ocasião de uma exposição, quando depois foi
desmontado e guardado). Uma década se passou e o atual prefeito, o mesmo da
ocasião, resolveu dar continuidade a esse processo. Solicitaram, portanto, ao
escritório do grande arquiteto, que desenvolvesse a ideia a partir de um desenho
feito por Niemeyer para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Existe semelhança
entre o risco original e o projeto desenvolvido agora, mas um olhar um pouco mais
atento percebe, com certa facilidade, que são coisas diferentes.
Temos aqui já uma questão complexa, visto que o grande argumento da prefeitura é
justamente o fato de podermos ter, em Petrópolis, uma obra desse grande mestre da
arquitetura mundial. Ocorre que o projeto, na verdade, foi elaborado e assinado mais
recentemente por outro arquiteto, de certa forma alterado em relação à ideia original
de Niemeyer.
Ficam então as perguntas: É realmente pertinente que se construa um edifício que
apresenta, na melhor das hipóteses, características do que foi considerado
grandioso no século que já se foi há mais de 20 anos? Faz algum sentido construir
um pavilhão para exibir a obra do mestre que não agregue mais que uma pálida
lembrança do que representou seu trabalho? Por que insistir em uma linguagem de
outro tempo, que já não dialoga com as demandas contemporâneas?
Perde-se assim a oportunidade de produzir para aquele espaço uma obra do nosso
tempo que se relacione com o parque de maneira harmônica, mais condizente com
os interesses de uma unidade de conservação ambiental. Perde-se também a
oportunidade de criar ali um paisagismo que dialogue com a vegetação existente e
que, a partir de conceitos como a ecogênese, possa enriquecer o ecossistema. E,
finalmente, perde-se a oportunidade de termos uma edificação que contemple a obra de Oscar Niemeyer, porém de forma sincera, autoral e criativa. Essas características
certamente estariam presentes em um projeto escolhido através de concurso público
de arquitetura, com um bom edital. O Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, entidade
centenária ao qual o Núcleo de Arquitetos e Urbanistas de Petrópolis-NAU
Petrópolis é vinculado, tem ampla experiência na realização desse tipo de certame,
poderia ter sido consultado para uma parceria que poderia nos trazer ideias mais
regionalizada e adequadas. Uma pena!
Resta-nos ter que conviver com uma edificação difícil de ser ocupada, complexa e
cara de ser operada e com enorme impacto negativo ao meio ambiente. Dos
principais materiais indicados no projeto, o concreto é dos que detém maior
consumo de CO2 na cadeia construtiva; o vidro deverá ser responsável pela morte
de centenas de pássaros durante o ciclo de vida da edificação; e o condicionamento
de ar, quase obrigatório pelas características do prédio, também levará a uma
pegada pesada de carbono devido ao alto consumo de energia. Ainda, por
desconsiderar a topografia existente, a implantação obriga à construção de extensos
muros de contenção e significativa movimentação de terra. Finalmente, consta em
projeto proposto fonte e cascata artificial, canalizando um curso d’água natural,
incompatível com as atuais propostas de naturalização dos ecossistemas hídricos
especialmente, numa unidade de conservação.
Enfim, a quem interessa essa obra? Certamente não ao meio ambiente,
especialmente numa unidade de conservação ambiental! Possivelmente não aos
habitantes de Petrópolis que neste espaço buscam o contato com a natureza e seu
aspectos e, muito menos, à memória de Oscar Niemeyer. Fica aqui a reflexão a
processos pouco democráticos e tecnicamente questionáveis que, novamente,
Petrópolis busca trazer para seu contexto urbano.“