As chuvas de verão

16/02/2020 13:38

Crescimento demográfico desordenado, habitações em áreas de risco, desmatamentos, queimadas, aumento de monóxido de carbono na atmosfera, assoreamento e poluição dos rios, áreas impermeabilizadas por concreto e asfalto que impedem que o solo absorva água, em síntese, pelas ações antrópicas que provocam a degradação ambiental, fica exposto o caos cíclico que ocorre neste período em que as chuvas são mais frequentes. As ações humanas são responsáveis por grande parte das catástrofes. É preciso repensar o desenvolvimento urbano, principalmente nas grandes capitais.

A caneta que decreta calamidade pública poderia agir preventivamente para evitar as catástrofes, investindo em saneamento básico, fazendo contenções de encostas, oferecendo habitações em áreas seguras para a população carente e, sobretudo, com planejamento para o escoamento das águas pluviais. Já está constatada que a canalização de rios não é a melhor solução, basta olhar para o que aconteceu em Belo Horizonte, onde placas de asfalto foram arrancadas das ruas que cobriam os rios.

A Terra da Garoa, marcada por grandes temporais, é sempre nocauteada pelas chuvas torrenciais. Os paulistanos padecem com as constantes enchentes. O trânsito fica mergulhado em quilométricos engarrafamentos.

Em virtude do humor e da irreverência dos cariocas, as enchentes na Cidade Maravilhosa já foram cantadas em prosa e verso. Lima Barreto, em 19/01/1915, no jornal Correio da Noite, escreveu:

“As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro, inundações desastrosas.

Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção entre os vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis.

De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos.”

Na referida crônica, o autor critica o gestor da época: “O Prefeito Passos, que tanto se interessou pelo embelezamento da cidade, descurou completamente de solucionar esse defeito do nosso Rio.”

Na voz de Moreira da Silva, o samba “Cidade Lagoa”, de Cicero Nunes e Sebastião Fonseca, relatou o que se vive até hoje no Rio:

“Esta cidade, que ainda é maravilhosa,/ Tão cantada em verso e prosa,/ Desde os tempos da vovó./ Tem um problema, crônico renitente,/ Qualquer chuva causa enchente,/ Não precisa ser toró./ Basta que chova, mais ou menos meia hora,/ É batata, não demora, enche tudo por aí./ Toda a cidade é uma enorme cachoeira,/ Que da Praça da Bandeira,/ Vou de lancha a Catumbi./ Que maravilha, nossa linda Guanabara,/ Tudo enguiça, tudo para, Todo o trânsito engarrafa.”

Nós, moradores da região serrana, temos cicatrizes de tragédias que jamais esqueceremos. Depender de uma sirene para fugir dos deslizamentos de terra é triste. É difícil dormir em noite de chuva. As nuvens escuras tornam-se um pesadelo. A cidade é linda, mas precisa de um planejamento para o escoamento das águas pluviais. Ficar dependendo só do fluxo dos rios consiste na permanência dos alagamentos.

Contabilizar o número de mortos sem o mínimo remorso, ignorar o desespero dos desabrigados, fazer promessas e não cumprir, essas são algumas das atitudes que ampliam a descrença do povo na classe política. Nas situações em que o clamor da população soa mais alto, surgem propostas e projetos de mudanças, mas nunca saem do papel, seja pelos nós da burocracia, seja pela ausência de vontade de libertar o povo da ignorância, da fome e do estágio de submissão em que se encontra.

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