As lições das crianças

09/04/2023 08:00
Por Ataualpa A.P. Filho

Ainda há infância lúdica. Ainda existe ternura em berços que acolhem crianças. Ainda há inocência.

Não há dúvida: o amor suplanta ódio. Quando uma criança cresce com afeto no seio de uma família em que o diálogo, o equilíbrio e a harmonia estão presentes, as chances dela seguir pelo caminho da delinquência são mínimas.  

O processo educacional não se restringe ao âmbito escolar. Quando a criança chega à sala de aula, já traz consigo uma carga de informações que são assimiladas desde as primeiras horas de vida. Tenho procurado aumentar a minha percepção para aprender mais com as lições da inocência. 

Tenho um amigo que completou, neste mês, um ano de idade. Pelos poucos minutos que nos cumprimentamos aos domingos, após a missa, na saída da capela, já nutrimos uma amizade. O sorriso dele torna-se mais fascinante, porque rompe repentinamente a seriedade. O olhar observador nos acompanha com profundidade. Às vezes, acho que ele dialoga com o padre durante a homilia. Em determinados momentos, manifesta-se como se estivesse interpelando em sua linguagem. Pela minha idade, dou-me o direito de intitular-me como tio-avô materno. Uma categoria acima de simples tio. A patente de avô traz uma dose de ternura maior.

Sábado, depois de realizar algumas tarefas domésticas matinais, com ar descontraído de fim de semana, saí do apartamento em que moro com o propósito de comprar os jornais que leio diariamente. Peguei o elevador no nono andar em direção ao térreo. No sexto, entrou uma avó vizinha amiga com a sua netinha.

– Esse tio é professor e escritor!…

Confesso que me surpreendi com essa apresentação. A criança me olhou e vaticinou:

– Ele sabe muito, mas borboleta sabe mais…

Não contive o riso! Só confirmei:

– Verdade…

As duas ficaram no segundo andar. Eu fui ao térreo, pensando na poesia de Manoel de Barros…

As lições do casulo dão asas às borboletas. O silêncio do estágio de crisálida é uma aprendizagem…

Quando cheguei à banca de jornal, depois de ler as manchetes expostas, concluí que a netinha da minha vizinha foi benevolentíssima. Diante da barbárie cotidiana, a humanidade está aquém dos vermes…

Outro dia, eu e Marta fomos visitar um amigo para dar-lhe um abraço pelas suas oitenta e duas primaveras concluídas. Havia uma reunião entre os membros da família. Chegamos na hora em que o bolo estava sendo cortado. Ampliamos o coro dos parabéns. Uma das filhas dele é que o partia. O filhinho caçula dela não aceitou nenhum pedaço oferecido. Esperou…

Quando a mãe terminou de servir, ele foi lá pegou a espátula, tirou um pedacinho, colocou no prato e saiu. Os adultos riram do tamanho do bolo que ele pegou. Era muito pequeno. Passados uns vinte minutos, ele voltou e cortou outro pedaço na mesma proporção. Repetiu essa cena umas duas vezes. Depois colocou o prato vazio sobre a mesa. Em síntese, ele comeu os pedacinhos dentro do seu desejo, nada além. Colocou no prato somente o tamanho do bolo que lhe apetecia. 

O primo dele, com alguns aninhos a mais, comeu, sentado à mesa, o pedaço de bolo que a tia lhe deu. Quando ela viu que ele já havia comido o que fora ofertado, perguntou:

– Você quer mais um pedaço?…

– Não, tia, acho que não necessito…

Quando ouvi o “não necessito”, pensei: “quantas pessoas, neste mundo, precisam ter essa compreensão de consumir somente o que necessita?”

Muita comida é jogada fora, porque algumas pessoas colocam no prato uma quantidade maior do que suporta comer. “Ter o olho maior do que a barriga” é uma expressão popular que aponta para o comportamento ganancioso, do querer mais do que precisa. 

Nenhuma criança mencionada aqui traz consigo concepções ideológicas. Agem espontaneamente na essência da verdade, sem dissimulações. Que nesta páscoa, possamos assimilar melhor o que elas nos ensinam. Foi Cristo quem nos disse:

“Eu vos garanto que se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus. Quem se fizer pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus.” (Mt 18, 3-4)

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