‘As mulheres, especialmente na última década, estão mais atentas aos seus desejos’, diz psicanalista

Por Aghata Paredes

A maternidade traz inúmeras mudanças para a vida da mulher, tanto físicas quanto psicológicas e sociais. Além de todas essas transformações há, ainda, a pressão vivenciada em relação às expectativas dos demais. Em entrevista exclusiva à Tribuna de Petrópolis, a psicanalista petropolitana Vanisa Moret Santos, também colunista do jornal, falou sobre o tema que faz com que as mulheres sofram para atender a padrões inatingíveis, e como isso afeta sua saúde mental. 

“Muitas mães se veem aprisionadas em expectativas irreais, o que gera culpa e conflitos internos. Essa tensão entre o desejado e o exigido pode levar a um estado de inadequação”, explica. “Elas [as pacientes] costumam dizer que a maternidade é uma experiência de transformação radical. Obviamente isso é verdade, porque vai suscitar nelas, mesmo que não de modo consciente, o cuidado do outro. E, desde a Antiga Grécia, essa função sempre foi atribuída às mulheres; não apenas cuidar dos seus próprios filhos, mas dos pais, dos parentes adoecidos e assim por diante. Esse papel de cuidadora sempre foi designado a elas, e quando elas desejam algo além disso – como trabalhar, criar e tomar outros rumos na vida – acreditando que esse papel foi genuinamente desejado por elas, embora isso venha do outro, isso gera culpa e conflitos internos muito grandes”, ressalta a psicanalista, ao falar sobre a sua observação em clínica. 

A pressão vivenciada pela mulher, não raramente, acontece dentro do próprio núcleo familiar e pode desencadear sentimentos como culpa, inadequação, tristeza, entre outros. “Essa expectativa de como a mulher vai lidar com a maternidade pode gerar sentimentos profundos, fazendo com que ela questione se está cumprindo a função de acordo com as expectativas estabelecidas. À medida que essas mães se deparam com a dificuldade em atender a esses padrões irrealistas, começam a reconhecer a importância de respeitar seus próprios limites e fazer o que é possível dentro de suas capacidades individuais. Além disso, o modo como uma mulher era antes da maternidade também pode influenciar a maneira como ela percebe esse desafio. Se uma mulher tinha uma vida social ativa antes de se tornar mãe, pode surgir um imaginário de que ela não será capaz de “dar conta” das responsabilidades da maternidade. É muito comum que elas se preocupem exageradamente em satisfazer esses padrões. Não vão conseguir, porque são padrões inatingíveis”, esclarece Vanisa. 

Apesar de todos os desafios, nos últimos anos, as mulheres têm se tornado mais conscientes de seus próprios desejos, inclusive no que diz respeito à maternidade. Essa conscientização, segundo Vanisa Santos, é positiva tanto para as mulheres quanto para os seus filhos. “A psicanálise pode desafiar esses modelos que acabam aprisionando as mulheres em determinados padrões como, por exemplo, ser uma supermãe, “se virar nas onze” ou ser a melhor cuidadora possível. Virou moda dizer que a mulher é uma guerreira, é uma falácia. As mães não são superpoderosas, elas são humanas e falham. A tese do meu livro, “Mães faltosas, crônicas e outras histórias”, é essa. É necessário que elas possam faltar e criar desejos nos seus filhos, gerando curiosidade na criança em relação àquilo que a mãe faz quando não está com ela, mas também às próprias mães. É necessário que elas se permitam faltar sem se sentir em falta com o próprio desejo”, explica. 

Em sua obra “Mães faltosas crônicas e outras histórias”, que será lançada nesta quarta-feira, 1º de maio, às 19h, no 1º Festival Literário Internacional de Petrópolis (Flipetrópolis), a petropolitana lança luz sobre a reconciliação entre o ideal da mãe ainda vigente com a figura real e falível da mulher que o encarna. Para conferir a programação completa, acesse o site oficial.

Foto: Divulgação

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Desconstruindo a ideia de instinto materno

Quando o assunto é maternidade, é essencial desmistificar certos conceitos arraigados, e um dos mais proeminentes é o chamado “instinto materno”. Transmitido de geração em geração, essa ideia não possui qualquer fundamento científico. Conforme esclarece Vanisa Santos, o conceito é, na verdade, uma idealização. “Não existe instinto materno, isso é uma idealização por aproximação das situações biológicas entre os animais. No que tange aos seres humanos não há isso que se convencionou imaginar como instinto materno. O que há é uma aprendizagem por imitação, isso se faz de modo inconsciente. As meninas e os meninos são criados em determinadas culturas familiares e vão aprendendo por observação. Por exemplo, a menina ganha uma boneca que vem como uma mamadeira e um carrinho. Isso vai criando nela o que se convencionou chamar de instinto materno. Isso passa por diversas nuances das culturas locais e da educação familiar. O que há, então, é uma reprodução do que o sujeito entendeu por ser mãe. Tanto que os meninos que se identificam com essa função materna também tendem a ter essas imagens e lembranças das próprias mães, tias, avós e até se autodenominam pães (pai+mãe)”, esclarece a psicanalista. 

Mais sobre Vanisa Moret Santos

Vanisa Moret Santos é poeta, escritora, mulher, mãe, dona de casa, psicanalista, professora e  co-coordenadora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-RJ,  Doutora e Mestre em Psicanálise, Especialista em Psicologia Clínica e em Língua Inglesa, além de autora de artigos de psicanálise e de livros de poesia, psicanálise e literatura. A psicanalista também é membro do Fórum do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro e da Academia Brasileira de Poesia.

Mais recentemente, vem se dedicando a estudar sobre o papel das mulheres ao longo dos tempos, questionando o suposto “instinto materno” e a ideia de um desejo atávico de ter filhos, uma vez que isso não coincide necessariamente com o desejo feminino.

Mais sobre “Mães faltosas crônicas e outras histórias”

Em “Mães faltosas crônicas e outras histórias” (Editora Atos e Divãs), Vanisa Moret Santos retrata uma miríade de experiências, de encontros e de desencontros que fazem da existência feminina um poço de contradições e de riqueza subjetiva. Usando de sua sensibilidade e domínio da escrita, demonstra os destinos possíveis para angústias e enigmas. Com um texto leve e atraente, “Mães faltosas crônicas e outras histórias”, acerta em cheio uma das questões mais prementes de nossa época: como conciliar o ideal da mãe ainda vigente com a figura real e falível da mulher que o encarna? O adoecimento tem sido a resposta comum, ‘como muitas vezes atestamos em nossas clínicas’, responde a autora. Mas, ao fazer valer o exercício da escrita, a autora também atesta uma saída menos capturada pelo imaginário e mais afeita aos laços que podem curar. Textos recomendados especificamente para quem é mãe, pretende sê-lo ou já teve uma! Sim, esses assuntos concernem a todos.

Acompanhe a coluna da psicanalista quinzenalmente às segundas-feiras no site da Tribuna de Petrópolis. 

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