Associação de arquitetos de Petrópolis critica a construção de moradias no Caititu

09/03/2022 15:43

Em carta aberta à sociedade, o Núcleo de Arquitetos e Urbanistas de Petrópolis – NAU Petrópolis, em conjunto com o Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB/RJ, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU/RJ e outras instituições, criticam a decisão da Prefeitura, que anunciou que destinará um terreno de 17 hectares no Caititu, em Correas, para que o governo do Estado construa moradias populares para as vítimas das chuvas do dia 15 de fevereiro. Em 2018, o mesmo terreno seria destinado à construção de 720 moradias pelo programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal. Mas um laudo do Instituto Estadual do Ambiente – INEA constatou que a área é uma Zona de Proteção Especial, onde, a princípio, não pode haver nenhum tipo de construção. À época, um inquérito civil foi aberto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – MPRJ.

“Além disso, há um problema crônico com esses condomínios, que integram programas como o Minha Casa Minha Vida. Não só em Petrópolis, mas no Brasil inteiro. Como esses empreendimentos têm uma lógica privada, a tendência é buscar terrenos mais baratos, em áreas longe dos centros, com pouca infraestrutura. Ali (no Caititu) tem uma questão social complexa. Uma dificuldade de acesso séria, que demanda um investimento em infraestrutura que talvez não fosse necessário se houver a procura por outros terrenos em outros pontos da cidade. Alargar a rua, para melhorar o acesso pode acabar envolvendo desapropriações. Tem ainda a questão da rede de esgoto. Tudo isso cria um impacto que talvez aquele local não tenha capacidade de absorver”, destaca Adriano Gomes, membro do Conselho Fiscal do NAU Petrópolis.

A carta, publicada nesta quarta-feira (9), ainda chama a atenção para um problema crônico da cidade que pode ser agravado com o planejamento de construções de grande porte em áreas de pouca infraestrutura e com grande sensibilidade ambiental, como é o caso do Caetitu. “Você aumentar a ocupação nessas áreas pode estimular a ocupação irregular. Quando leva infraestrutura para essas áreas ambientalmente sensíveis, você aumenta a chance da ocupação irregular no entorno desses condomínios populares. O Vicenzo Rivetti foi construído no mesmo molde, com 720 famílias em uma área com pouca infraestrutura”, avalia o membro do NAU.

Busca por áreas menores e empreendimentos menores

A própria carta do NAU aponta um caminho para solucionar o problema habitacional do município: a busca por áreas menores, em locais que já contam com infraestrutura e o controle, por parte do governo, do valor da terra. “É buscar áreas onde a infraestrutura já está consolidada, para que você possa espalhar moradias em diferentes pontos da cidade. Há uma área assim, por exemplo, do lado do terminal de transbordo de Correas, bem próxima desse terreno no Caititu. Nesse local já há mais infraestrutura. Tem o terminal, tem escola na frente, mercado. Tem uma série de acessos que não tem no Caetitu”, diz Adriano, que lembra da importância de se pensar habitação levando em consideração também as relações sociais e humanas das vítimas das tragédias e das pessoas que vivem nas áreas de risco socioambiental. “Há a questão de relações sociais, familiares, de trabalho. As pessoas se habituaram a viver nesses locais, como o bairro Alto da Serra, onde fica o Morro da Oficina. Quando você desloca um grupo grande de pessoas para outro local, você cria um problema de não pertencimento, dificuldade de quem já vive no local se adaptar a quem está chegando e vice-versa. É preciso caminhar numa lógica habitacional que não seja só de grandes empreendimentos. A cidade não tem um excedente enorme de áreas, mas é preciso encontrar soluções. Política habitacional é mais do que só construir habitação”.

A longo prazo, o arquiteto e urbanista pontua a necessidade de que seja debatido em Petrópolis a questão do valor da terra. “Tem toda uma dinâmica de valor de terra que está na base da ocupação irregular. As pessoas buscam locais impróprios porque o valor da terra é alto. E não por acaso esses lugares coincidem com as áreas de risco. É preciso criar uma política de gestão do valor da terra. O valor da terra é ligado à infraestrutura que ela tem e ao potencial construtivo. Você aumenta o valor quando coloca infraestrutura e altera a legislação. E isso normalmente ocorre em Petrópolis para valorizar as áreas privadas. É preciso pensar em como reverter esse processo. Claro, que isso é uma medida de longo prazo, mas precisa ser encarado para mudar essa lógica. Tem mecanismo no Estatuto da Cidade para criar pressão para que certos grupos não fiquem ali sentados especulando terras. Isso precisa estar no Plano Diretor e no nosso caso não está”, finaliza. 

Laudo do Inea não recomenda a construção no Caititu

Em 2018, o Ministério Público encomendou um laudo ao Inea, que classificou o terreno dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental – APA/ Petrópolis. De acordo com o laudo, “a região é úmida e encharcada, caracterizada por densa vegetação de Mata Atlântica em estágio inicial e médio de regeneração natural, com nascentes e olhos d’água dispersos e suas áreas de preservação permanente, compreendida em uma Zona de Proteção Especial municipal característica de áreas de preservação sem qualquer previsão de construção ou atividade humana.”

Leia também: Restrições ambientais podem impedir construção de casas no Caititu

A área foi desapropriada pela Prefeitura por R$ 2,2 milhões, após as chuvas de março de 2013. Na época, a então presidente Dilma Rousseff havia garantido, em visita a Petrópolis, que o governo federal iria realizar as obras do programa Minha Casa Minha Vida se o município disponibilizasse um terreno e apresentasse o projeto. Apesar de a Prefeitura ter conseguido o espaço, todas as licenças necessárias para a obra e licitado a intervenção, conseguindo viabilizar o projeto, o Ministério das Cidades não autorizou a Caixa Econômica Federal – CEF a assinar o contrato com a empresa que venceu o processo de licitação. Sem andamento do projeto, o terreno ficou abandonado e sem utilização desde então.

Leia na íntegra a carta do NAU:

“MORADIA TEM QUE SER SOLUÇÃO, NÃO PROBLEMA

As recentes declarações do prefeito municipal e do governador do Estado do Rio de Janeiro a respeito da intenção de utilizar um terreno para alojar 300 famílias na localidade do Caititu, região do Vale do Carangola, em Petrópolis, acende um alerta. Não resta dúvida de que será necessário produzir muitas unidades habitacionais para dar conta do enorme déficit habitacional que nos assola, principalmente à luz da intensificação dos eventos climáticos extremos e da situação de risco de parte considerável da população petropolitana, promovida pela autoconstrução sem acompanhamento técnico nem fiscalização pelo poder público. Isso, no entanto, não pode ser usado como oportunidade para velhas práticas que aprofundam o problema habitacional e as demais questões urbanas. 

A área em questão é ambientalmente delicada e socialmente inapropriada para que tantas famílias ali se estabeleçam. De acordo com laudo do INEA (576/2018, quando da indicação do mesmo para implantação de um empreendimento Minha Casa Minha Vida em 2018), a região é úmida e encharcada, caracterizada por densa vegetação de Mata Atlântica em estágio inicial e médio de regeneração natural, com nascentes e olhos d’água dispersos e suas áreas de preservação permanente, compreendida em uma Zona de Proteção Especial municipal característica de áreas de preservação sem qualquer previsão de construção ou atividade humana. Com feições rurais, nem mesmo acesso adequado e infraestrutura urbana o local possui.

Muito se tem falado sobre a falta de áreas em Petrópolis para habitação social, consideração possível quando se buscam terrenos capazes de absorver grandes empreendimentos. No entanto, existem muitas outras absolutamente adequadas quando se pensa em menor escala, para 100 ou 150 unidades habitacionais, ou até menos. Nesse sentido, propomos um estudo mais profundo de possibilidades que deem conta de uma provisão habitacional de qualidade em áreas já infraestruturadas, preferencialmente em torno de centralidades, destacando as regiões do 1º e 2º distrito. Sem um sério exercício nesse sentido, apenas patinaremos nos discursos fáceis.

A lógica da produção em massa para moradia, mesmo que traga vantagens econômicas em razão de sua escala, não serve para um município com as características de Petrópolis e aprofunda, nas cidades brasileiras, um modelo urbano injusto e desigual, especialmente para uma camada social que dificilmente consegue se inserir nas exigências econômicas do mercado, mesmo em financiamentos habitacionais públicos. Os grandes condomínios como única forma de se produzir habitação frente à enorme demanda está ultrapassada e exige uma lente mais aberta, atenta à potencialização da capacidade produtiva já reconhecida na autoconstrução.

Nesse sentido, iniciativas pela criação de pequenas empresas e cooperativas ampliariam a quantidade e capilaridade a fim de produzir muitos empreendimentos de pequeno porte com o envolvimento de agentes locais para a produção desses imóveis. Além disso, é importante ter um olhar para os vazios edificados (construções sem uso há um certo tempo) que devem cumprir sua função social, qual seja o de atender às necessidades sociais e econômicas da cidade, o que inclui ter sua classe trabalhadora próxima das oportunidades de emprego.

O recente artigo “O que fazer depois do desastre de Petrópolis?”, de Tainá de Paula, arquiteta e vereadora do Rio de Janeiro, nos relembra que, além de um déficit habitacional de 12 mil unidades, há 30 mil imóveis inadequados, e uma agenda que reúna Estado, sociedade civil e setores privados é fundamental, onde benefícios fiscais, instrumentos urbanísticos e projetos inovadores podem ser a chave para o enfrentamento da situação. Também é preciso reconhecer a assistência técnica habitacional, prevista na Lei Federal n° 11.888/2008, como uma política pública prioritária, como afirma o artigo FNA e SARJ lamentam tragédia em Petrópolis e reforçam a importância da ATHIS, através de programas municipais sólidos e plenamente acessíveis para a população.

Uma política habitacional e urbana consistente é possível, mas para tal é preciso vontade política e rigor técnico que tragam respostas consistentes. Produzir moradia digna inclui uma condição de cidade para todos, contribuindo para uma cidade mais justa.”

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