Ativistas apontam 162 prisões em Cuba; regime cede e permite entrada de comida
Ativistas cubanos denunciaram ontem às Nações Unidas a prisão de 162 pessoas durante os protestos de domingo em Havana e em várias cidades de Cuba e pediram ajuda para obter sua libertação. No primeiro sinal de recuo, três dias após os maiores protestos desde 1994, desencadeados principalmente pela escassez de remédios e alimentos, o governo cubano anunciou que está autorizando “excepcionalmente e temporariamente”, a importação por meio de passageiros que chegam ao país de alimentos, produtos de higiene e medicamentos sem limite de valor de importação e sem pagamento de tarifas.
Fontes na Casa Branca revelaram que o governo do presidente Joe Biden está revendo várias medidas adotadas durante o governo de Donald Trump para ajudar os cubanos que enfrentam problemas econômicos ampliados pela pandemia.
Segundo as fontes, a revisão poderia levar à flexibilização das restrições às remessas que os cubano-americanos podem fazer para suas famílias em Cuba. Estima-se que essas remessas sejam de entre US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões ao ano, representando a terceira maior fonte de divisas em Cuba depois da indústria de serviços e turismo.
Biden também estaria estudando levantar a proibição de viagens entre os EUA e a ilha, assim como a retirada da designação de Cuba como um “Estado patrocinador do terrorismo”, que Trump determinou dias antes de deixar o cargo, em janeiro.
O jornalista cubano Maurício Mendoza, que mora em Havana, disse ao Estadão que há um grande número de detidos no país, mas muitas pessoas de destaque já estão sendo soltas. “Enquanto eu estava acompanhando as manifestações, estava comigo o jornalista Maykel González Vivero. Ele foi detido, mas foi solto no dia seguinte. O governo está tendo certo cuidado com quem tem mais visibilidade, porque não é conveniente ter pessoas notórias presas. Mas pessoas com menos visibilidade seguem detidas. O medo é que, com essas pessoas, eles (o governo) queiram ensinar uma lição aos demais.”
Segundo o jornalista, o clima é de medo. “O que incomoda agora é esse clima de incerteza. Quando você anda pela cidade escuta os comentários das pessoas, e o que posso dizer é que há um descontentamento popular com o sistema. Esse pedido do presidente para que os revolucionários ‘saiam a defender a revolução’… Olhe, não posso ser categórico, mas ninguém vai sair a defender…”
Mendoza diz que uma estratégia do governo é usar paramilitares, vestidos de civis e armados com paus, para dizer que são o povo fiel à revolução, e atacar os próprios cidadãos. “O que Díaz-Canel está incitando é a uma guerra civil entre cubanos. Está mandando uma parte da população reprimir a todos que não estejam de acordo com o socialismo”, disse.
O engenheiro agroindustrial e ativista pelos direitos humanos, Gerardo Páez, disse que em sua cidade, Artemisa, as tropas especiais, ou boinas negras, estão patrulhando as ruas de dia e de noite, mostrando sua presença para amedrontar a população e provocar a sensação de pânico.
“O que começou como uma marcha pacífica foi gerando outro tipo de comportamento. A polícia foi a primeira a agredir, até mesmo usando meios baixos, como quando direcionaram a manifestação até a unidade de polícia intencionalmente. Lá houve uma grande confusão”, disse Páez. “Um garoto teve as costelas quebradas, o que provocou uma perfuração no pulmão. Minha vizinha está internada pela quantidade de golpes desferidos por um boina negra.”
“É quase um consenso entre a maioria dos cubanos não deixar as ruas, apesar da violenta repressão que sofremos, porque se deixarmos, o regime vai se sentir empoderado”, disse o ativista.
“Eu trabalho com uma organização chamada Civil Rights Defender, em parceria com uma organização cubana, e o que fazemos basicamente é monitorar e documentar os casos de violação aos direitos humanos no país. Quando começou a movimentação (no domingo), não passaram nem 30 minutos e a segurança do Estado já estava na esquina da minha casa, com a intenção de impedir que eu saísse e mobilizasse as pessoas que conheço. E ali ficaram até a manifestação ser sufocada. Isso aconteceu também com muitos opositores, não foi um caso isolado”, disse ao Estadão o poeta Eduardo Clavel Rizo, morador de Santiago.
“Basicamente, o governo tem reprimido bastante. Há muitas pessoas detidas. Não sabíamos o que estava se passando, mas agora com a volta da internet nos demos conta de que faltam muitas pessoas, e não há informação sobre elas”, disse Rizo.
“Os parentes têm ido às unidades de polícia perguntando por eles, e o que dizem é que não estão lá. Então o que se faz é reputá-los como desaparecidos, porque as pessoas sabem que eles estavam nas manifestações, têm testemunhos de que foram detidos pela polícia, e agora a polícia diz que não sabem onde eles estão.”
Segundo Rizo, o termo desaparecido lá talvez não seja tão extremo como foi empregado em ditaduras como a brasileira, em que os desaparecidos nunca foram encontrados. “Aqui há um procedimento jurídico que, em casos em que alguém foi detido e não se sabe o paradeiro, apresenta-se um habeas corpus para identificar onde essas pessoas estão. Não chega a ser como as desaparições forçadas que havia nas ditaduras latino-americanas. (Com agências internacionais)