Aviões ‘Frankenstein’ do PCC: polícia apreende fuselagens em operação que mira a facção

05/out 11:34
Por José Maria Tomazela / Estadão

Uma operação da Polícia Civil de São Paulo apreendeu cinco aeronaves desmontadas no galpão de uma chácara, em Joanópolis, no interior de São Paulo, nesta quinta-feira, 3. A suspeita é de que as peças seriam usadas para a montagem de aviões conhecidos como ‘Frankenstein’ para serem usados pelo crime organizado para o transporte de drogas.

O galpão foi localizado durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos pela 2.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da capital em ação que investiga operações financeiras vinculadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

Conforme o delegado Marcos Galli Casseb, do 30.º Distrito Policial (Tatuapé), essas aeronaves remontadas costumam ser utilizadas para o transporte de drogas e outras atividades criminosas. “Temos hoje uma modalidade de transporte de objetos ilegais, como droga, dinheiro e ouro de origem de garimpos ilegais, em que eles utilizam aeronaves conhecidas como ‘Frankenstein’. São aeronaves montadas com peças usadas, às quais é acrescentado um tanque suplementar para aumentar a autonomia e voar abaixo dos radares dos aeroportos”, disse ao Estadão.

Segundo o policial, os aviões são montados com peças compradas em desmanches ou arrematadas em leilões, a exemplo dos carros conhecidos como ‘cabritos’. “Chamamos a prática de voo de galinha, que é um voo único. Eles carregam a cocaína, fazem o transporte e, chegando lá, queimam a aeronave para não permitir a identificação”, explicou.

Como o dono do galpão em Joanópolis onde as partes de aviões foram apreendidas não teve o nome divulgado pela polícia, devido ao sigilo na investigação, a reportagem ficou impossibilitada de fazer contato com a sua defesa. No depoimento, conforme informação do delegado, ele negou qualquer envolvimento com o crime organizado e disse que as compras dos aviões desmontados foram declaradas à Receita Federal.

Começo no Tatuapé

A operação realizada na chácara de Joanópolis teve início a partir de uma investigação sobre a atuação do crime organizado e lavagem de dinheiro na compra e venda de carros de luxo e apartamentos caros no bairro Tatuapé, na zona leste da capital. “No decorrer de um dos inquéritos, identificamos que havia uma empresa de fachada cujo proprietário era um pedreiro e a empresa dele tinha um avião de R$ 5 milhões, um bimotor que apreendemos em agosto deste ano”, disse.

Como noticiou o Estadão, no dia 7 de agosto, agentes do 30.º DP apreenderam o avião Bandeirante Embraer EMB-110 que pertenceria a uma frota comprada por traficantes ligados ao PCC. A aeronave, avaliada em R$ 5 milhões, estava registrada em nome de um piloto vinculado a um narcotraficante que transportava cocaína para cartéis mexicanos e foi alvo da Operação Terra Fértil, desencadeada pela PF em junho.

Segundo o delegado, a investigação da Polícia Civil tem conexão com a da PF. “Estávamos atrás de três aviões, mas só achamos esse de Campo de Marte. Havia suspeita de que um avião estivesse em um hangar de Bragança Paulista e cumprimos um mandado de busca lá. Não achamos o avião, mas apreendemos documentos e vimos que o proprietário era dono desse sítio em Joanópolis, onde fizemos a apreensão das peças e fuselagens. Agora vamos investigar a origem e o destino delas”, disse o delegado.

Ouvido no 30.º DP, o empresário negou qualquer envolvimento com o crime organizado. Ele declarou ter importado as aeronaves parcialmente desmanchadas dos Estados Unidos e que ele desmontava para vender as peças. “Causa estranheza porque sabemos que a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) é altamente rigorosa na reposição de peças em aeronaves. Ele ficou de apresentar a documentação sobre essa importação e estamos aguardando.”

Não há pistas de pouso próximas do galpão e as peças chegaram por via terrestre, segundo o delegado. O nome do empresário não foi divulgado, já que o inquérito policial tramita sob sigilo por envolver transações financeiras. Ainda segundo o policial, tanto o dono da empresa ‘laranja’ como o dono da aeronave residem no Tatuapé.

A investigação já apurou que um avião teria decolado do aeroporto de Bragança Paulista e pousado em Honduras, na América Central, tendo sido incendiado em seguida.

A suspeita é de que a aeronave levou uma carga de cocaína. Conforme o policial, Honduras é um ponto de troca de aeronaves que voam com drogas para o México. “O dono do sítio confirmou que algumas das aeronaves que ele comercializou caíram com drogas, mas ele alega que elas foram vendidas em transações legais. Vamos ter de apurar isso também”, disse.

Os partes desmontados apreendidos em Joanópolis são norte-americanos, já que têm prefixo com a letra “N” no início. O que a investigação vai apurar é qual seria o destino dos aviões.

“Ele entra com as aeronaves compradas em leilão nos Estados Unidos, o que pode até ser legal, mas queremos saber para onde vão esses aviões. Ainda estamos esperando a documentação das compras. As investigações vão prosseguir.”

O delegado disse que, assim que receber os laudos da perícia, vai informar a Anac sobre a investigação. “Preciso saber se a eventual utilização dessas peças teria a aprovação da Anac. Vamos encaminhar os laudos da perícia nas peças, que ainda não foram entregues, e pedir o concurso da Anac”, disse.

A Anac informou em nota que não foi envolvida na operação em questão, sendo que a participação da agência nesses eventos ocorre quando há pedido da autoridade policial. “Cabe ainda esclarecer que a Anac sempre colabora com seu conhecimento técnico quando solicitada pela polícia”, disse.

Em pedaços

Frankenstein é o termo tirado do nome de um personagem do livro da escritora Mary Shelley que conta a história de um estudante de ciências naturais, Victor Frankenstein, que utiliza partes de corpos de pessoas mortas para criar um monstro. O nome é utilizado nos meios policiais para designar aviões montados com partes de outras aeronaves pelo narcotráfico.

Conforme noticiou o Estadão, no dia 2 de julho último, a PF deflagrou a Operação Terra Fértil mirando uma quadrilha suspeita de enviar cocaína para países da América Latina, abastecendo especialmente os cartéis mexicanos. Segundo a PF, o grupo era chefiado por um narcotraficante internacional e alguns membros são ligados ao PCC. A investigação apontou que a organização criminosa teria movimentado mais de R$ 5 bilhões em cinco anos.

Sobre a Operação Terra Fértil, a PF informou que as investigações ainda estão em andamento.

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