Bandeira considerada símbolo de supremacia racial é exposta em estande de evento cervejeiro em Petrópolis
A bandeira dos Estados Confederados, um símbolo associado a grupos supremacistas raciais dos Estados Unidos, foi exibida em um estande da Feira Deguste – evento cervejeiro de produtores artesanais de Petrópolis. O episódio aconteceu na noite de sexta-feira (11). A bandeira estava entre duas outras bandeiras do Brasil e foi identificada por uma turista norte-americana que, em inglês, questionou se as pessoas no local conheciam o significado, enquanto pedia a retirada imediata da bandeira – o que só aconteceu quase no fim do evento.
“A turista começou a alertar as pessoas sobre o significado da bandeira e falaram com o responsável pelo estande, que colocou a bandeira lá. Mas, ele não queria retirar e dizia que estavam distorcendo o siginificado”, contou uma das testemunhas do episódio.
Quem também presenciou a cena foi Saulo Benicio, que é morador de Nilópolis, Baixada Fluminense, trabalha como entregador de aplicativo e cursa história na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Ele estava pela primeira vez no evento, junto da namorada. “Era um evento de maioria de pessoas brancas. Não querendo dizer que quem estava no evento era racista ou não. Não achei uma coincidência, porém, ter o debate sobre o nazismo nesta semana (se referindo ao episódio envolvendo o apresentador do podcast Flow, Monark, ao deputado federal Kim Kataguiri e ao comentarista da Jovem Pan, Adrilles Jorge) e ter uma bandeira ligada a grupos supremacistas dos EUA. Eu, particurlamente, não achava que estava ao meu alcance fazer nada naquele momento, sendo um homem negro nesse contexto”, conta.
Ainda de acordo com Saulo, a presença do símbolo considerado racista causou revolta. “Pra mim é uma afronta ter uma bandeira com essa conotação de supremacia racial e de ódio. Toda vez que ia pegar minha bebida via aquela bandeira e ninguém falava nada. Senti muita revolta ao ver aquela bandeira lá. Não acho isso normal, não acho que isso deva ser naturalizado na cidade de Petrópolis”, conta o estudante de história, que decidiu registrar a imagem e entrar em contato com a imprensa.
Expositor diz que a intenção era “homenagear“
Ao longo da noite, notícias sobre o que estava acontecendo na feira de cerveja artesanal começaram a chegar até um dos organizadores, que não estava no evento. “Eu vi a bandeira ali cedo (durante a montagem), mas não fazia ideia do que se tratava. Como o estande era de uma pessoa que faz o american barbecue (churrasco americano), que estava pela primeira vez no evento, achei que era só uma referência aos EUA. Só fui receber essa mensagem (sobre o teor da bandeira) no fim do evento e, quando descobri do que se tratava, falei pra tirar. Ele chegou a argumentar que fazia referência aos estados do sul, que fazem esse tipo de churrasco”, informa o organizador do evento, Rodrigo Duarte, que ressaltou ainda que a feira se trata sobre encontro de pessoas de forma apartidária e que não compactua com símbolos de ódio.
Neste sábado (12), dia seguinte ao episódio, a reportagem da Tribuna de Petrópolis esteve no local e conversou com os produtores da feira e também com o responsável pela empresa que montou o estande. À reportagem, o proprietário da Provenza BBQ justificou que queria, a princípio, colocar a bandeira do Estado do Texas, mas como ela é parecida com a bandeira do Chile (país), achou que geraria confusão. Foi quando teria optado pela bandeira dos Estados Confederados, numa espécie de “homenagem à cultura negra dos EUA, que criou a tradição do american barbecue”. “A Bandeira dos Confederados hoje é usada por um grupo de imbecis, um grupo de idiotas, que tinham que estar presos. Pessoas que defendem a supremacia branca. Eles pegaram uma bandeira histórica e usam essa bandeira, mas a bandeira originalmente não significa isso”, afirmou o proprietário, mostrando ainda conhecer o contexto histórico dos Estados Unidos onde a bandeira teve o uso empregado. “Eu comprei a bandeira recentemente, foi a primeira vez que usei. Se soubesse que geraria essa repercussão, não teria usado”.
Símbolo racista e protestos nos EUA
A Bandeira dos Confederados foi criada por William Porcher Miles, durante a Guerra Civil (ou Secessão) entre os estados do Sul e Norte dos Estados Unidos, como forma de representar os Estados do Sul, que defendiam a manutenção da escravidão de pessoas negras no país. Ela foi rejeitada como a bandeira nacional da confederação formada pelos Estados do Sul em 1861, em favor de outra conhecida como bandeira das “barras e estrelas”. No entanto, acabou adotada como uma bandeira de guerra pelo Exército da Virgínia do Norte, a principal força militar dos Estados Confederados.
Segundo o historiador David Goldfield, autor de “Still Fighting The Civil War” (“Ainda lutando a Guerra Civil”, em tradução livre), o debate em torno da nova bandeira, em 1862, deixava claro que a confederação buscava um símbolo da supremacia branca e de uma sociedade dominada pela escravidão. Depois da guerra, a bandeira foi usada em comemorações e reuniões de soldados, mas, para os negros, “trata-se de um legado de ódio”, diz Goldfield, porque foi adotada por grupos como o Ku Klux Klan e outros que defendiam a segregação racial.
Assassinato de George Floyd e pressão antirracista
A morte de George Floyd em 2020, assassinado pela polícia, foi o estopim para uma série de atos antirracistas nos EUA, que passaram a pressionar governos pela eliminação de símbolos racistas no país. Na Carolina do Norte, na cidade de Duham, manifestantes derrubaram uma estátua dedicada aos soldados confederados. Em Charlottesville (Virginia) uma estátua do general confederado Robert E. Lee também foi derrubada.
O movimento teve ainda reflexos no Brasil, onde manifestantes chegaram a questionar a presença da estátua do bandeirante Borba Gato, monumento que localiza-se na praça Augusto Tortorelo de Araújo na cidade de São Paulo. Borba Gato ajudou a cassar indígenas e negros que eram escravizados. Em julho do ano passado a estátua foi incendiada e os responsáveis presos.
A Bandeira dos Confederados só vem deixando de ser utilizada nos EUA nas últimas décadas, sob pressão de movimentos antirracistas. Alguns Estados do Sul do país, como o Mississipi, por exemplo, retiraram o símbolo de suas representações oficiais. Em 2020, sob a onda do movimento Black Lives Matter, o Mississipi, com um longo passado segregacionista, era o último a ainda exibir a Bandeira dos Confederados dentro de sua própria bandeira, mas foi pressionado e, em votação, decidiu por retirar o elemento para criar um novo símbolo. Antes, o Estado da Geórgia havia eliminado o elemento de sua bandeira em 2003.
Também em 2020, o Pentágono, o órgão máximo de defesa dos Estados Unidos, definiu uma nova política que proíbe o hasteamento da bandeira confederada nas instalações militares. No mesmo ano, Bubba Wallace, piloto da Cup Series na Nascar, combateu o símbolo, cobrando da categoria do automobilismo o veto nas arquibancadas das provas a presença da bandeira, símbolo visto com frequência entre torcedores.
O ano de 2020 foi também o ano das eleições presidenciais nos EUA e o então presidente republicano Donald Trump (que contava com apoio de grupos que defendem a supremacia racial) defendeu o uso da bandeira confederada, por ele, como uma forma de “liberdade de expressão”.
Declarações nazistas abriram debate e investigação na última semana
Durante a semana, o debate sobre nazismo tomou conta dos noticiários no Brasil. Uma discussão que começou após as declarações favoráveis a criação de um partido político nazista no país, dada pelo apresentador do podcast Flow, Bruno Aiub, também conhecido pelo apelido de Monark, no programa de número 545 em um debate sobre “liberdade de expressão”. A afirmação foi endossada ainda pelo deputado federal, pelo Estado de São Paulo, Kim Kataguiri, que participava do programa. O congressista chegou a afirmar que foi um erro a criminalização do nazismo na Alemanha. No dia seguinte, o comentarista de notícias da Jovem Pan, Adrilles Jorge, foi demitido pela emissora após fazer uma saudação, associada a grupos nazistas, no programa que debatia o episódio sobre Monark e Kataguiri.