Bolsonaro comemora criação de fundo do BID para Amazônia, ainda sem valores

18/03/2021 20:47
Por Beatriz Bulla, correspondente; colaboraram Felipe Frazão e Giovanna Girardi / Estadão

Em evento em que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) anunciou um fundo para financiar projetos de bioeconomia na Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro disse que seu governo está comprometido com a proteção da floresta e comemorou a criação do instrumento de financiamento para a região. A ideia de criar um fundo organizado pelo BID foi proposta pelo Brasil em 2019 e considerada uma vitória dentro do governo brasileiro.

Segundo o presidente do BID, Mauricio Claver-Carone, o banco se compromete com um aporte de US$ 20 milhões e há compromissos de doação que o fazem estimar o valor inicial para o fundo em US$ 1 bilhão. Os valores, no entanto, dependerão de doadores e financiamento dos próprios países e também da iniciativa privada.

Em setembro de 2019, em meio à crise de imagem internacional gerada pelo aumento nas queimadas na Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez um giro no exterior que incluiu reuniões na capital dos Estados Unidos. Em Washington, Salles anunciou o plano de criar um fundo com o BID para “avançar na bioeconomia”e no “pagamento por serviços ambientais”, após conversa com o então presidente do banco, Luis Alberto Moreno. Na mesma época, o governo Bolsonaro travou o funcionamento do Fundo Amazônia, formado com doações bilionárias da Noruega e da Alemanha.

Desde então, o Brasil trabalhou internamente no BID para viabilizar um fundo para a região, que foi lançado hoje. Claver-Carone anunciou que a instituição irá se comprometer com R$ 20 milhões para desenvolver projetos sustentáveis que possam ser financiados pelo fundo. A verba do próprio fundo para a execução desses projetos, no entanto, ainda è discutida. Em discurso no qual lançou o projeto, Claver-Carone sugeriu que o valor depende de doações.

“Em paralelo à essa iniciativa (comprometimento de US$ 20 milhões), e seguindo a sugestão do governo do Brasil, estamos iniciando consultas com a comunidade doadora para estabelecer um fundo de bioeconomia”, disse. Depois, em entrevista coletiva, ele afirmou que há interesse de doação por parte de europeus e a expectativa é superar o valor de US$ 1 bilhão. “É muito importante esse fundo porque é a única iniciativa na qual 7 países onde está a Amazônia estão comprometidos”, afirmou Carone.

O americano Claver-Carone é um ex-integrante do governo Donald Trump mal visto pelo time de Joe Biden. Ele adaptou seu discurso desde a eleição do democrata para buscar convergência com a nova Casa Branca e passou a defender a criação de fundos para projetos sustentáveis e de proteção ambiental. À frente do BID, ele busca um aumento de capital de US$ 80 bilhões, algo que não acontece desde 2010. Como os EUA são o maior acionista do BID, com 30% de participação, ele precisa de um comprometimento do governo Biden. O Brasil tem 11,4% de participação.

O compromisso de países da região com a preservação ambiental, especialmente do Brasil, é considerado essencial para tentar captar recursos junto ao setor privado para os projetos de bioeconomia. Este é o segundo pronunciamento à comunidade internacional nesta semana em que Bolsonaro diz trabalhar pela preservação da Amazônia. Na terça-feira, 16, o presidente defendeu o desenvolvimento sustentável da região em reunião remota com outros presidentes da América do Sul, integrantes do Prosul.

O Brasil tem sido pressionado a adotar medidas de preservação da Floresta Amazônica desde o início do governo Bolsonaro, quando os alertas de desmatamento atingiram patamares historicamente altos. A eleição de Joe Biden para a Casa Branca colocou a questão de volta ao centro do debate internacional, desta vez com o peso do engajamento do novo governo americano, que colocou a questão ambiental como pilar de sua política externa.

Desde então, o Brasil tem buscado demonstrar aos americanos — e à comunidade internacional — que está disposto a cooperar nas discussões sobre preservação ambiental, como ressaltado por Bolsonaro a Biden em carta enviada em janeiro à Casa Branca. “Estamos, mais uma vez, demonstrando o compromisso do Brasil e dos países da região amazônica com a conservação e o uso sustentável da floresta”, disse Bolsonaro hoje, no discurso gravado e transmitido durante evento promovido pelo BID.

O presidente não apresentou, no entanto, compromissos domésticos novos sobre os planos do Brasil para diminuir o desmatamento na região, como fez o presidente da Colômbia, Iván Duque. Também presente no encontro do BID, Duque anunciou medidas locais, como a apresentação de um projeto de lei para endurecer a pena dos que atentem contra a floresta. Duque também falou que quer “exercer papel de liderança” na questão ambiental e anunciou os compromissos que planeja apresentar na Cúpula do Clima, em novembro.

Aos integrantes do BID, Bolsonaro citou iniciativas já conhecidas, como o lançamento do satélite Amazonia 1, para monitorar a região. “O desenvolvimento sustentável e o fim do desmatamento ilegal dependem da valorização da economia amazônica e da melhoria da qualidade de vida da população local”, disse Bolsonaro. A comunidade internacional tem cobrado planos concretos para redução do desmatamento no País. Em carta enviada ao Planalto no dia 26 de fevereiro, como resposta à de Bolsonaro, o presidente dos EUA falou que “espera ver compromissos do seu governo para ampliar a ambição (de proteção) climática” no encontro que os EUA organizarão sobre o tema em 22 de abril.

Ao tratar da situação atual do desmatamento, Bolsonaro comemorou a queda nos alertas de desmatamento nos últimos seis meses. “Por iniciativa do meu governo, houve uma queda de 20% nos alertas de desmatamento em comparação com o mesmo período do ano anterior. Conseguimos evitar o desmatamento de área equivalente a mil quilômetros quadrados”, disse.

Entre setembro do ano passado a fevereiro deste ano, os alertas de desmatamento registrados pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, apontaram uma perda de 2.536 km2, ante 3.232 km2 no mesmo período do ano anterior, uma queda de 21,53%. A queda, no entanto, é observada sobre o patamar mais alto de desmatamento desde 2016 e ainda é o segundo valor mais alto desde então. Os alertas de desmatamento na Amazônia no acumulado dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro foram, em média, 82% superiores à média dos alertas registrados nos três anos anteriores. / COLABORARAM GIOVANA GIRARDI e FELIPE FRAZÃO

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