Bolsonaro sanciona lei que autoriza pagamento de emendas em período eleitoral
O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou o projeto que autoriza o governo distribuir verbas federais mesmo em período eleitoral. De distribuição de cesta básica a tratores, a proposta, que agora virou lei, elimina a trava que impedia ao Executivo direcionar recursos novos para redutos eleitorais, além permitir uma série de manobras como o redirecionamento de verbas federais enviadas a Estados e municípios. O projeto faz parte de um pacote revelado pelo Estadão. Para especialistas, a medida cria uma nova espécie de “pedalada”.
O projeto, sancionado nesta sexta-feira, 5, autoriza um conjunto de doações do governo federal para municípios e instituições privadas – redes de pesca, ambulâncias, tratores, máquinas agrícolas e emendas parlamentares – no meio da campanha. O texto dribla a lei eleitoral, que proíbe essa prática, ao mexer na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 e favorece o presidente e parlamentares que apadrinham os recursos.
A mudança foi aprovada sem alarde pelo Congresso no último dia 12, enquanto as atenções estavam voltadas para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) “Kamikaze” e para a regulamentação do orçamento secreto. Em abril, o Congresso já havia liberado as doações até julho, com sanção de Bolsonaro. Agora, a nova lei dá aval para as doações no ano inteiro, incluindo o período eleitoral.
A manobra fura o chamado “defeso eleitoral”, que proíbe práticas como pagamento de emendas e inaugurações na época da campanha. “Além da estranheza das flexibilizações, as mudanças adicionam insegurança no processo de execução orçamentária do passado e, ao alterar a lei eleitoral, a menos de 90 dias das eleições, insere o elemento de insegurança jurídica no calendário, podendo ser interpretado como abuso de poder e acarretar desequilíbrio aos concorrentes do pleito. É de se esperar que haja questionamentos judiciais, inclusive na seara eleitoral”, afirmou o diretor executivo do Instituto Nacional de Orçamento Público (Inop), Renatho Melo.
O mesmo projeto autoriza o governo federal a trocar o município e até mesmo o fornecedor de uma obra ou serviço público de uma verba já empenhada, ou seja, com contrato assinado e pagamento liberado, de um ano para outro. Nos bastidores, a razão apontada para a mudança é ceder ao pedido de parlamentares. Um dos dispositivos permite mudanças na localidade de verbas contratadas em 2020, primeiro ano do orçamento secreto (esquema revelado pelo Estadão), incluindo emendas parlamentares. A manobra tende a virar moeda de troca na campanha eleitoral. Um prefeito pode, por exemplo, perder o dinheiro já reservado para sua cidade se um candidato a deputado ou a senador considerar que ele não entregou os votos prometidos. O artifício aumenta o poder do congressista sobre o prefeito.
Mudar as despesas de lugar sem planejamento nem discussão abre margem para uma nova espécie de “pedaladas”, segundo especialistas, em referência a práticas do governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que sofreu um processo de impeachment. A diferença é que, no governo Bolsonaro, as manobras são autorizadas por mudanças na lei, na tentativa de afastar o presidente de responder por crime de responsabilidade. “Até o vale-tudo tem regras, que não podem ser alteradas no meio da luta. Em relação às normas orçamentárias, o Congresso está pedalando para frente e para trás”, afirma o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, um dos primeiros especialistas a alertar sobre a maquiagem das contas no governo Dilma, em 2014.
Após a aprovação do projeto, a Consultoria de Orçamento da Câmara publicou uma nota afirmando que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022, alvo da alteração, não poderia mexer em verbas de 2020, por se tratar de um ano diferente e contrariar um princípio básico do orçamento público. “Permitir alteração na localidade de execução do objeto inicialmente pactuado contraria, em tese, princípios previstos na legislação de regência de licitações e contratos administrativos, como os do interesse público, do planejamento, da motivação e da vinculação ao edital, entre outros, o que, em certa medida, pode levar à sua descaracterização”, diz a nota.
Outro item sancionado autoriza o governo a mudar, de um ano para o outro, o fornecedor de uma obra que já teve o recurso empenhado, ou seja, garantido no Orçamento. A Casa Civil, chefiada pelo ministro Ciro Nogueira, patrocinou a aprovação da medida. Assessor direto de Nogueira e responsável pelo Orçamento no Planalto, o secretário especial Bruno Grossi enviou uma mensagem a assessores do Legislativo defendendo a proposta e ficou isolado diante das críticas. As consultorias da Câmara e do Senado classificam a mudança como inconstitucional.
“Cada uma dessas alterações representa perda de qualidade do gasto público, na medida em que abre mão de algum requisito de governança orçamentária. Ganhos de agilidade e flexibilidade dos gastos não justificam abrir mão de requisitos técnicos fundamentais da execução orçamentária”, comenta o economista Dalmo Palmeira, especialista em Gestão Pública Aplicada e um dos assessores de Orçamento mais experientes no Congresso.
Para ele, a “pedalada” autorizada pela lei é uma saída que afasta a punição por crime. “Uma pedalada pura é feita indo além da autorização legislativa. Estamos diante de alguns casos de pedalada legalizada.” Bolsonaro vetou três dispositivos do projeto. Um deles é o que liberava o pagamento de emendas para municípios que não aprovavam o Plano de Mobilidade Urbana, condição necessário para receber recursos federais no setor.
Orçamento secreto
O projeto faz parte de um pacote patrocinado pelo governo Bolsonaro e aprovado pelo Congresso para favorecer gastos de interesse eleitoral dos parlamentares. No último dia 15, o presidente sancionou uma proposta colocando mais uma camada de sigilo sobre os recursos do orçamento secreto. Até agora, não é possível identificar os beneficiados com o esquema do toma lá, dá cá. Apenas o nome do relator-geral do Orçamento aparece associado a esse tipo de emenda. Com o projeto, nem isso. As verbas poderão ser colocadas sob o guarda-chuva do Executivo e atender parlamentares nos bastidores.
A medida é tratada pelo governo como uma forma de “repatriação” dos recursos que estavam nas mãos do Congresso e retornariam para o controle do Executivo. Dessa forma, a União poderia ter saldo suficiente para pagar despesas obrigatórias e de manutenção dos órgãos federais. Para isso, porém, o relator-geral do Orçamento terá que concordar com as alterações. Nesse sentido, técnicos minimizam os efeitos na transparência. Mas essa mudança não impede que o governo atenda parlamentares na hora de gastar.
Os projetos foram aprovadas na mesma semana da PEC “Kamikaze”, que autoriza o governo a gastar R$ 41,25 bilhões com benefícios sociais na véspera da eleição fora do teto de gastos. Com isso, o governo ficará com o caixa livre para os gastos liberados pelo pacote.