‘Brasileiros vão começar a treinar mais times na Europa’, aposta Sylvinho
Último brasileiro a treinar um time das principais ligas europeias, o ex-lateral-esquerdo Sylvinho aposta que em breve mais compatriotas vão começar a conquistar espaço no comando de equipes do Velho Continente. Em entrevista ao Estadão, o técnico com passagem em 2019 pelo Lyon, da França, explicou que tem visto nos jogadores brasileiros em atividade uma postura diferente. Mesmo antes da aposentadoria, os atletas começaram a estudar para tirar as licenças necessárias para exercer a função. “Não lembro de ter visto um brasileiro se antecipando e já fazer um curso de técnico logo cedo. Mas isso está mudando”, disse.
Revelado pelo Corinthians e com passagens por Arsenal, Barcelona e Manchester City, Sylvinho mora em Portugal e comentou sobre a procura por um novo clube. O Brasil e o mercado asiático são algumas das possibilidades. Auxiliar do técnico Tite na última Copa do Mundo, o ex-jogador relembrou o trabalho na seleção brasileira e lamentou a derrota para a Bélgica nas quartas de final. “O Neymar não estava na plenitude”, comentou. Confira a entrevista:
Quais os seus planos profissionais para o momento?
Comecei a trabalhar em comissões técnicas em 2011. Grande parte da minha carreira também foi construída na Europa, a exemplo dos cursos que fiz na Uefa. Tirei todas as licenças na Itália. Até mesmo quando recebi o convite do Tite para trabalhar na seleção brasileira eu continuei morando na Europa para observar jogadores. Agora, eu tenho a raiz brasileira. Tenho uma construção de carreira no exterior, mas não vou desprezar nunca a qualidade e o potencial que o mercado nacional possa me permitir. A graduação que tenho na Europa me permite trabalhar na Ásia, no Oriente Médio também. Isso me abre um leque enorme. Em vez de apontar uma arma, uma direção, eu busco um planejamento sólido. O futebol é resultado, mas tem de permitir um planejamento ao treinador. É isso que tenho buscado.
Como você tem se preparado?
Sempre gostei de fazer tudo com calma. Eu acompanho muitos jogos da Espanha, Portugal, Itália, Inglaterra, mercados em potencial e até situações no Japão, China e no mercado brasileiro. Chego a ver até 12 partidas a cada fim de semana. Meu leque de opções está bem aberto.
Quais as suas maiores influências?
As duas maiores, até por questão de tempo de trabalho, é o (italiano) Roberto Mancini e o Tite. Com o Roberto, já desde atleta. Eu trabalhei no meu último ano com ele no Manchester City e ele era o treinador. Em 2014 trabalhamos na Inter de Milão por dois anos. Com o Tite, tanto no Corinthians como na seleção, tivemos uma ótima relação. Como atleta, lembro muito do Arsène Wenger no Arsenal. Tenho detalhes muito ricos de como era a gestão humana dele, da captação de atletas, da postura.
Você se considera um profissional diferenciado no mercado por ter toda essa experiência na Europa?
Não tenho medo de falar que a Europa marca uma referência no futebol mundial. Tive a oportunidade de jogar em clubes aqui fora com jogadores de ponta e técnicos de ponta. Eu não escondo que ter vivido aqui acrescenta bastante. Uma coisa é a parte teórica, outra é a vivência. E por aqui a vivência é espetacular. Por exemplo, a Premier League cresceu muito com a chegada de técnicos estrangeiros. Eu cobro a mim mesmo organizar essa metodologia no trabalho. Eu não desprezo o que tenho do futebol brasileiro, mas quero aplicar o que aprendi em outros países.
Por que não há brasileiros como técnicos na Europa?
Eu acredito que isso não se deve a um fator só. Da parte técnica, a necessidade de validar o diploma para atuar aqui é um aspecto. Porém, eu tenho um exemplo prático. Quando eu jogava no Celta de Vigo, convivia com vários argentinos. E mesmo em atividade, eles já faziam o curso de técnico da Uefa. Eu achava muito cedo para isso, mas me chamava a atenção que eles já se preparavam. Não lembro de ter visto um brasileiro se antecipando e já fazer um curso de técnico logo cedo. Mas isso está mudando. Pelo que vejo de alguns atletas que estão nos últimos anos de carreira, eles já têm uma ideia diferente, de já se preparar. Acho que em médio prazo, vamos começar a ver mais brasileiros como técnicos na Europa.
Por que esse perfil mudou?
É uma questão de geração. Por causa da tecnologia, as informações estão chegando mais rápido. O número de brasileiros na Europa não para de crescer. Eu vim com 25 anos, alguns estão vindo bem mais cedo. Os jogadores têm agora uma interação maior com os países e cidades. Fazem a vida por aqui. Isso abre-se a janela para a pessoa pensar. O tempo de permanência na Europa aumentou, esses atletas querem se fixar por aqui e trabalhar com futebol no pós-carreira.
Você trabalhou na seleção brasileira. O que acha das condições da equipe ganhar a próxima Copa?
Foram três anos de trabalho com o Tite e a comissão técnica. A Copa do Mundo é uma competição tremenda. Só não foi mais bonita porque não conseguimos chegar à final. Paramos nas quartas. O ciclo de Eliminatórias é difícil. Mas acredito que o Brasil vai chegar forte à Copa do Catar, muito organizado, com qualidade e clareza. Agora, vai dividir o protagonismo com outras quatro potências mundiais. É uma competição difícil. Mas vamos chegar fortes.
Como auxiliar do Tite, o Brasil poderia ter ido mais longe na Copa da Rússia?
Eu não tenho dúvida disso. Pelo trabalho e dedicação que tivemos. Se você me perguntar se a gente queria ter o Neymar pleno na Copa, com certeza sim. Mas você não escolhe. Mesmo com o esforço que ele fez para participar de uma forma íntegra. Neymar teve uma lesão no pé e só voltou a treinar na Granja Comary (fim de maio). Fisicamente ele é muito potente. Depois da Copa, conversei com alguns ex-jogadores e jogadores europeus. Vários deles comentaram que o Brasil tinha condições de ser finalista porque tinha uma ótima defesa, tinha opções no banco, time ajeitado e competitivo.
Foi difícil aceitar a derrota por 2 a 1?
Foi frustrante para digerir. Conhecíamos o potencial da Bélgica, conhecia aquele time faz tempo. Conhecia o treinador, o Roberto Martínez, dos tempos em que ele trabalhava no Wigan. Nós acompanhamos muito dessas seleções. Eu tinha claro comigo que o primeiro gol (de escanteio) você até pode tomar nas fases decisivas. Mas o segundo gol, não. A gente não escolhe. Ficou um sabor amargo.
Se o Neymar estivesse 100%, a Copa poderia ter sido diferente?
Vou mudar a sua pergunta. Ele estava 100%, mas não estava na plenitude, que é naquele patamar em que os craques como Messi e Cristiano Ronaldo buscam o lugar deles no campo e dizem: “Eu estou aqui, calma”. Eu convivi muito tempo com o Messi no Barcelona, sei como é. Esses caras são fora da curva, mas entram com uma responsabilidade que não é simples. O Neymar estava 100% clinicamente. E por isso jogou. Agora, quando esses caras estão na plenitude, no ápice, é o que faz a diferença. Eles têm um porcentual de vantagem.
O que seria essa plenitude?
Médico, fisioterapeuta, preparador físico e todos liberaram o Neymar. Mas sei que quando começou a preparação, os demais atletas vinham de 50 jogos na temporada e o Neymar, não. Sobre plenitude, eu vou citar uma entrevista do Pep Guardiola. Uma vez ele explicou que você não encontra a excelência durante 90 minutos. Você vê em uns três ou quatro minutos. Para atingir esse nível, precisa de uma construção, de vir de uma grande temporada. E isso o Neymar não teve. Mas ele é tão fora da curva que fez um Mundial muito digno.
Qual jogador mais te impressionou como colega de time?
O (holandês) Dennis Bergkamp me impressionou demais treinando no Arsenal. Um cara alto, mas com qualidade de controle de bola, percepções de jogo. O Thierry Henry também era incrível. O Ronaldinho Gaúcho era muito diferenciado, via o jogo de outra forma, tinha outra velocidade de pensamento. O Messi era outro extraordinário. Com 16 anos ele desequilibrava nos treinos. O Neymar também merece destaque. É um talento extraordinário. Os números dizem isso.